A morte de Fidel Castro mobilizou atenções e dividiu opiniões. A imprensa ao redor do mundo buscou imediatamente retratar e resgatar a figura histórica do comandante que desempenhou papel decisivo nas relações internacionais do século XX. Em geral, procuraram destacar os traços mais evidentes da sua ambivalente trajetória. Bons exemplos foram “Cuba´s communist leader who gave Cubans first-world education and health services but he offered neither opportunity nor prosperity, least of all freedom” (The Economist), único “revolutionary who defied U.S” (NY Times), antigo dirigente da “única ditadura remanescente” na região (Folha de S. Paulo).
Entre os governos das Américas, a repercussão ganhou dimensão ainda maior graças ao alcance que a Revolução Cubana tomou no continente, com impacto nas relações hemisféricas de maneira singular desde os primeiros anos do governo Castro. Além das costumeiras condolências, praxe entre os chefes de Estado e/ou governo, presenciou-se uma das maiores ondas de notas públicas ou comunicados à imprensa emitidas pelas chancelarias nos últimos anos, monopolizando temporariamente seus aparatos de comunicação.
Apesar de serem normalmente empregadas como um instrumento pró-forma, em momentos de grande tensão, ou diante de matérias graves, tais notas se transformaram em um importante mecanismo usado pelos governos para se comunicarem com a opinião pública doméstica e internacional. Diferentemente das comunicações sigilosas e tradicionais entre Estados, têm como objetivo amplificar uma mensagem ou posição para o maior número de interessados possíveis. Seu uso é hoje difundido, apoiado no processo de transformação e facilitação permitido pelas novas tecnologias da informação.
O falecimento de Fidel Castro gerou uma explosão dessas comunicações que buscavam expressar as devidas condolências ao povo cubano, se convertendo em uma oportunidade única de comparação entre as mensagens dos governos e seus conteúdos, em um assunto cuja gravidade não poderia ser ignorada.
No geral, as chancelarias, e eventualmente os próprios ministros das relações exteriores, procuraram reafirmar os laços de amizade entre seus países, sem almejar uma análise valorativa. Entretanto, a liderança de Fidel provocou diferentes tonalidades nas declarações dos países da região, revelando posições e aspirações futuras para a relação bilateral e/ou o futuro de Cuba.
A nota do governo norte-americano, assinada por John Kerry, provavelmente a mais importante pelo momento especial da relação entre os dois países, reconheceu o papel de liderança regional e global de Fidel Castro. Reafirmou o compromisso de seguir com a normalização das relações, ainda que sem ignorar o passado, de forma a escrever um novo e melhor futuro para ambos os povos. Reiterou a política da presidência Obama, admitindo explicitamente seu compromisso com o povo cubano hoje e nos próximos anos, sem fazer nenhuma menção direta ao governo de Raúl Castro. Pareceu ser uma tentativa de costurar um entendimento que pode estar em perigo caso o presidente eleito Donald Trump cumpra suas promessas de voltar ao status quo anterior.
Entre outras notas importantes, houve aquelas de grande afinidade ideológica com o regime cubano, como nos casos de Equador e Venezuela, que exaltaram o líder cubano e as políticas socialistas de equidade social. Ambas as chancelarias deram especial destaque ao papel internacional que Cuba desempenhou na autodeterminação dos povos do Terceiro Mundo e ao caráter seminal da Revolução. Foram as notas mais longas e sentimentais, procurando situar o legado deixado pela atuação de Fidel. Na equatoriana, destacou-se seu papel na luta anti-imperialista, como promotor da solidariedade dos povos do Sul global, arquiteto da “Pátria Grande” e incansável guerreiro da justiça, independência e soberania dos povos. Do lado venezuelano, reforçando os laços ideológicos e programáticos, ressaltaram-se os traços biográficos de Fidel, tratado como o pai fundador da nova histórica latino-americana, o personagem das Américas mais importante do século XX e um exemplo, encerrando o texto com as palavras de ordem “Con Bolívar, Martí, Chávez y Fidel Venceremos!!!” e “Hasta la Victoria Siempre!!!”.
Argentina, Chile, El Salvador e Uruguai em geral reconheceram a liderança histórica que Fidel Castro teve na América Latina e no mundo, ressaltando sua trajetória de luta que sempre buscou estabelecer justiça social em seu país. Ademais, El Salvador agradeceu a cooperação cubana em diversas áreas, como agricultura, educação e saúde. Já as chancelarias da Argentina e da Colômbia agradeceram a colaboração cubana, a primeira em relação ao apoio irrestrito no caso das Malvinas e a segunda em relação ao fim do conflito armado no país.
Das notas de governo, a do Itamaraty foi uma das que mais chamou atenção. Assinada pelo ministro José Serra, faz uma análise da trajetória de Fidel e de seu entrelaçamento com o passado do século XX, ressaltando que esteve ligada a um “período histórico conturbado, no qual ideias de desenvolvimento e justiça social nem sempre se conciliaram, em nossa região, com o respeito aos direitos humanos e à democracia”. Áspera, em clara alusão a um posicionamento ideológico da chancelaria do governo Temer, ignorou as relações cooperativas entre Brasil e Cuba, sobretudo no século XXI com o Programa Mais Médicos, procurando marcar posição em um assunto interno cubano.
O alcance e abrangência das notas reafirmam a importância histórica de Fidel Castro e a inusitada posição de uma pequena ilha no Caribe que conseguiu concentrar parte importante da atenção de todo um continente desde a década de 1950. O enfraquecimento dos governos progressistas em toda a América Latina, em paralelo com o nacionalismo simbolizado pela ascensão de Trump nos Estados Unidos, no entanto, mostram que a sua morte se soma a um novo ciclo de incertezas sobre os destinos de Cuba e todo mundo.
Notas oficiais de governos nas Américas (Para ler, clique nos links).
Argentina. Información para la Prensa N°: 416/16.
Brasil. Nota 462, Falecimento de Fidel Castro.
Chile. Gobierno de Chile expresa sus condolencias por fallecimiento de Fidel Castro.
Colômbia. Comunicado de prensa.
Costa Rica. Costa Rica expresa condolencias por el fallecimiento del Ex Presidente de la República de Cuba.
El Salvador. Cancillería de El Salvador lamenta profundamente el fallecimiento del expresidente cubano Fidel Castro.
Equador. Comunicado Oficial: Ecuador expresa sus condolencias al pueblo cubano y su Gobierno.
Estados Unidos. The Passing of Fidel Castro.
Paraguai. Paraguay expresa condolencias por fallecimiento de Fidel Castro.
Uruguai. Comunicado de Prensa nº 122/16 - Fallecimiento del Presidente Fidel Castro.
Venezuela. Venezuela expresa su afecto y solidaridad a Cuba por la partida física del Comandante Fidel Castro Ruz.