Crédito da foto: Marcos Pedlowski

Na América do Sul, o Brasil é o principal destinatário de investimentos chineses, desempenhando um papel muito relevante. De acordo com o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), entre 2007 e 2018, a China investiu cerca de US$ 58 bilhões no Brasil, concretizando mais de 140 projetos. Entre 2005 e 2020, o Brasil foi destino de 50% dos investimentos chineses na região – um percentual considerável, tendo em vista que o segundo colocado foi o Peru, com 14.06%.

Os dados e os números de investimentos chamam a atenção, pois nos permitem visualizar não apenas a relevância do mercado brasileiro para a China, inclusive em nível regional, mas também reafirmam o comprometimento do Estado chinês em impulsionar uma estratégia estatal de apoio às empresas no exterior.

Em função dessa notável importância da China como player estratégico para direcionamentos de fluxos de investimento estrangeiro direto (IED) para o Brasil, em primeiro lugar, é preciso observar alguns aspectos em relação ao panorama geral do IED chinês no Brasil, sobretudo as tendências mais recentes. Além disso, são discutidas as tendências em longo prazo dos investimentos chineses para o Brasil e, ainda, em que medida estas propensões continurão se alinhando ao planejamento do governo e de empresas chinesas.

Alguns dados sobre os investimentos chineses e os setores alvo da economia brasileira

Em quais setores, portanto, estão concentrados os fluxos de IED chinês para o Brasil ?

Figura 1 – Investimentos chineses no Brasil por setor (2005-2020)

Fonte: American Enterprise Institute and The Heritage Foundation (2020)

Segundo estudo da American Enterprise Institute and The Heritage Foundation (2020), o setor de energia é o que mais recebe investimento chinês no Brasil. Isto ocorre pois o Brasil é uma fonte estratégica de energia e, também, em virtude da demanda e do planejamento da China para explorar mercados onde possa aprimorar sua capacidade e inteligência energética.

No que diz respeito à forma de ingresso dos investimentos chineses no Brasil, nota-se um aumento de investimentos greenfield (i.e., projetos incipientes, que existem somente no papel e estão em fase de planejamento) e fusões e aquisições (Merger and Acquisitions – M&A) entre 2016 e 2018; enquanto as joint ventures (i.e., parceria entre duas entidades para tirar proveito de alguma atividade, por um tempo limitado, sem que cada uma delas perca a identidade própria)apresentaram uma oscilação, permanecendo em último lugar em 2018, conforme dados abaixo:

Figura 2 – Forma de ingresso dos investimentos chineses no Brasil (anunciados e confirmados) | 2007 – 2018 | Análise por número de projetos

Fonte: Cariello (2019, p.14)

De forma mais específica, a literatura existente sobre a temática divide os fluxos de investimentos chineses no Brasil em quatro etapas – ou “ondas” – principais, considerando período histórico e ênfase do investimento, conforme figura abaixo:

Figura 6 – Ondas de Investimentos chineses no Brasil          

Fonte: Elaborado pela autora com base em Cariello (2019)

Os investimentos chineses no setor de serviços

Desde 2018, observa-se um aumento de investimentos chineses em um setor-chave para o atual momento histórico: o de serviços (ex. financeiros, mobilidade urbana, meios de pagamentos digitais). Logo, é importante apresentar algumas tendências recentes do IED chinês neste segmento, explorando a visão estratégica do governo chinês para o campo e como o Brasil se encaixa como um parceiro estratégico.

Com base nos casos descritos a seguir, pode-se dizer que os fluxos de IED chinês para o Brasil no setor de serviços se concentram em grande medida nas chamadas startups e fintechs. Mas afinal, o que se entende por startup e fintech? Startup pode ser compreendida como um novo empreendimento que almeja por um modelo de negócios de escala e de repetição, perante um cenário de incerteza. Já fintechs são empresas caracterizadas pelo uso de tecnologias digitais no intuito de trazer inovações e romper com paradigmas tido como “arcaicos” de serviços financeiros. Logo, é possível que existam startups fintechs, como, por exemplo, os novos bancos digitais.

A aquisição da startup brasileira 99 pela gigante chinesa de aplicativos de mobilidade urbana, Didi Chuxing – uma das startups mais valiosas do mundo –, em janeiro de 2018 foi o marco essa uma nova tendência de investimentos chineses no Brasil: em startups e fintechs brasileiras. A partir desse aporte, a 99 foi caracterizada como a primeira startup brasileira “unicórnio” – termo utilizado para descrever uma empresa privada startup com valor de mercado superior a US$ 1 bilhão. Atualmente, há dezesseis empresas brasileiras unicórnios.

Outro caso que ajuda a elucidar a crescente presença de investimentos chineses em serviços no Brasil foi o aporte de quase US$200 milhões da fintech brasileira Nubank pela gigante chinesa, Tencent – uma das empresas de tecnologia mais valiosas do mundo – que tornou o Nubank a principal fintech da América Latina e o maior banco digital independente do mundo.

Além disso, é possível destacar o investimento de US$100 milhões da Ant Financial – subsidiária do Grupo Alibaba – na fintech brasileira Stone Pagamentos. A Ant Financial é a empresa de unicórnios mais valiosa do mundo, com avaliação de US$ 150 bilhões.

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Com efeito, é evidente não apenas a relevância dos investimentos chineses para as empresas brasileiras, sobretudo as novas startups e fintechs, como, também, o lugar do Brasil como um mercado-alvo estratégico tanto para o governo quanto para empresas chinesas de tecnologia.

A política de Ciência, Tecnologia e Inovação e o papel do Estado chinês

Do ponto de vista do planejamento, o atual governo chinês destina grande atenção para o campo da Ciência e Tecnologia (C&T). Em discurso sobre o tema, o Presidente Xi Jinping destacou os objetivos primordiais do país: “fazer da China um dos países mais inovadores do mundo em 2020, uma liderança maior em inovação em 2030 e, finalmente, tornar a China uma potência mundial em ciência e tecnologia no aniversário de cem anos de fundação da República Popular, em 2049”.

Uma das formas de impulsionar estes objetivos de longo prazo foi a criação da estratégia Made in China 2025 (MIC 2025), criada com o objetivo de desmistificar o pensamento de que a China é um país fabricante de bens de baixo valor agregado, tornando-se um grande produtor de robôs, aviões, carros elétricos, equipamentos espaciais, e etc. Endossado pelo primeiro ministro chinês, Li Keqiang, o MIC 2025 é o primeiro plano de ação do país com enfoque para tecnologias industriais e é visto pela China como uma chance de diminuir a dependência de inovação tecnológica não doméstica.

De acordo com o Instituto para Políticas de Segurança e Desenvolvimento (2018), os governos das províncias estão cooperando com as empresas e centros de inovação para desenvolver o MIC 2025. Além disso, a ferramenta mais essencial é o suporte financeiro a empreendimentos chineses oferecido por bancos estatais. Bancos privados também estão oferecendo subsídios, especialmente para empresas de pequeno e médio porte. O governo tem instruído empresas a desenvolverem suas marcas internacionalmente, encorajando investimentos internacionais, através de fusões e aquisições, inclusive.

Pires e Saravalli (2018) destacam nove pilares prioritários para o MIC 2025: 1) melhorar a inovação industrial; 2) integrar tecnologia e indústria; 3) fortalecer a base industrial; 4) promover marcas chinesas; 5) reforçar a produção verde; 6) promover a reestruturação do setor manufatureiro; 7) incentivar as empresas de serviços relacionados à produção industrial; 8) a internacionalização da manufatura e, 9) promover avanços em dez setores-chave.

O governo chinês pretende, portanto, promover uma política de catching up (i.e. ‘alcançamento tecnológico’), estabelecendo políticas direcionadas para tal, padronizando os principais setores do projeto.

De que forma, portanto, as diretrizes das políticas de Estado chinesa para C&T têm relação com o processo de internacionalização de empresas chinesas? Diferente da grande parte dos países ocidentais, na China as ações lançadas pelo governo são incorporadas tanto por empresas estatais quanto por empresas privadas, por diversos motivos, tais como incentivos fiscais e promoção das marcas chinesas. Em outras palavras, as empresas chinesas estão alinhadas e colaboram ativamente para os planos de política externa e interna do governo chinês.

Paulino e Sousa (2012) relacionam o fato de que “a estratégia das empresas multinacionais chinesas por recursos estratégicos via IED é a própria estratégia do governo de assegurar os recursos necessários para a manutenção do nível de crescimento da economia chinesa.”

Sendo assim, a relação Estado-empresa é fundamental para compreender o sucesso chinês. Pires e Saravalli (2018) ressaltam que o sucesso da China é explicado por sua definição de políticas públicas de Estado, que mesclam a capacidade de planejamento e a estabilidade de continuidade proporcionada pelo governo chinês e pela introdução de mecanismo de mercado, que permitiu a criação de um grande setor não-público, composto de empresas privadas, empresas coletivas e empresas individuais. Além disso, o estabelecimento de parcerias com empresas multinacionais proporcionou a absorção de tecnologias e capacidade de gerenciamento que impulsiona as empresas locais.

Por conseguinte, o planejamento em longo prazo para se tornar um país líder em ciência, tecnologia e inovação e, mais especificamente, a estratégia Made in China 2025 proposta pelo governo chinês e incorporada pelas empresas engajadas em negócios internacionais chinesas pode ser utilizada para justificar a nova tendência de investimentos chineses no Brasil.

Algumas tendências do IED chinês para o Brasil

No cômputo geral, pode-se argumentar que os investimentos de empresas privadas chinesas em empresas startups contribuíram para o crescimento das empresas brasileiras a ponto de se tornarem unicórnios e empresas de destaque na América Latina. Além disso, entende-se o papel relevante da participação do Estado chinês no estímulo ao IED para justificar a internacionalização de empresas chinesas no mercado brasileiro.

Em longo prazo, a tendência delineada é um crescimento do IED chinês no setor de serviços nos próximos anos. Entretanto, ainda não se pode afirmar que haverá uma migração dos investimentos nos setores líderes (por exemplo, energia) para outras áreas – como a de serviços.


Revisão: Marcel Artioli e Marcela Franzoni

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI), do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI/UNESP)