Gustavo Menon

Doutorando no PROLAM-USP. Mestre em ciências sociais pela PUC-SP e pesquisador do Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais–NEILS


A crise político-econômica na Venezuela parece caminhar para um momento crucial.  Com maioria no Congresso, a oposição antichavista parte para o ataque vislumbrando a deposição do presidente democraticamente eleito, Nicolás Maduro.  Nos últimos dias, o acirramento das tensões se manifestaram com a oposição tentando aprovar uma espécie de impeachment do presidente, mesmo esse dispositivo não sendo previsto na Carta Magna de 1999.

As tensões na Venezuela se enquadram em um marco maior na América Latina, onde presenciamos, segundo muitos pesquisadores, o desgaste de governos progressistas.  Com o fim da década dourada no subcontinente (2000 a 2010), forças neoliberais voltaram a ocupar espaço tentando resgatar seu papel hegemônico.  A eleição de Maurício Macri na Argentina, a derrota de Evo Morales no referendo boliviano, a deposição de Dilma Rousseff no Brasil e, recentemente, o rechaço da população colombiana aos tratados de paz, via plebiscito, são apenas alguns aspectos que convergem para uma retomada do neoliberalismo no cenário latino-americano.  Além disso, o fortalecimento das economias dos países que integram a Aliança do Pacífico, apontam para mudanças significativas nas relações de poder da região.

Como fator agravante, o quadro fica ainda pior se levarmos em consideração a desaceleração chinesa e a queda dos preços das commodities no mercado internacional.

Em meio a esse panorama tão adverso, como pensar que o governo venezuelano possa resistir a tantas forças externas e internas que conspiram para sua queda? Em resumo, por que o governo brasileiro caiu, ao passo que, na Venezuela, a luta contra forças reacionárias persiste com tamanha vitalidade? Afinal, o que está em jogo na Venezuela que a diferencia do Brasil?

Antes de tudo, é preciso lembrar que o processo político venezuelano não pode ser equiparado aos últimos governos brasileiros. Neste sentido, algumas diferenças precisam ser pontuadas.

 

  • Ao contrário do Brasil, a oposição venezuelana, expressando-se por meio da MUD (Mesa da Unidade Democrática), não controla o vice-presidência do país, tampouco o poder judicial. A própria proposta do referendo revogatório, aclamado por antichavistas para a destituição do governo, foi vetado pelo Conselho Nacional Eleitoral venezuelano por se terem detectado inúmeras irregularidades em seu processo de formulação.

 

  • Diferentemente do lulismo, o chavismo se apresentou como uma proposta reformista para a sociedade venezuelana. Por lá, as transformações no campo da política econômica, a soberania do setor petrolífero, as medidas de reforma agrária, o marco da imprensa e, por fim, a Constituição Boliviariana de 1999 possibilitaram uma plataforma política onde os venezuelanos foram inseridos em mecanismos políticos que outrora eram negados a frações de classes populares. Isso faz com que ao menos 5 a cada 10 venezuelanos sigam reivindicando o legado de Chávez no país, segundo o instituto Datanalisis. Em grande medida, os “conselhos comunais”, criados pela “Revolução bolivariana”, garantem a resistência do atual governo de Nicolás Maduro.

 

  • Para que o exercício da legalidade seja cumprido na conjuntura venezuelana, deve-se analisar o desempenho do exército no país. Hugo Chávez, tenente-coronel e oficial militar, promoveu durante seus governos uma verdadeira transformação nas forças-armadas venezuelanas.  Resgatando a imagem de Simón Bolívar, também ele um militar, os governos chavistas colocaram as forças armadas como verdadeiras forças defensoras dos interesses das classes populares.  Sob o lema “maldito é o soldado que aponta para o seu próprio povo”, o exército venezuelano, desde 1998, com a chegada de Hugo Chávez à presidência, se tornou base de apoio do projeto bolivariano.

 

  • A denúncia e o combate ao golpismo junto à comunidade internacional. Contrariamente a Dilma Rousseff, que preferiu adotar um discurso mais conciliador na Assembleia Geral nas Nações Unidas, Nicolás Maduro, nos últimos meses, parece desempenhar uma atuação mais intensiva em defesa de seu governo. A visita do presidente venezuelano a países da OPEP para discutir saídas para os baixos preços dos barris de petróleo, a aproximação com o governo russo para estudar um possível acordo na área militar e a surpreendente visita ao Vaticano para denunciar as condições de seu país ao Papa Francisco demonstram a disposição do governo venezuelano de tentar cumprir seu mandato.
Leia mais:  Educación virtual: El plan educativo ‘Aprendemos Juntos en Casa’ frente a la realidad de los estudiantes de zonas rurales en Ecuador

 

  • Neste mesmo contexto, para manter a soberania e a integridade de seu governo, comitês antigolpe estão sendo criados para assumir funções de fiscalização, cuja finalidade é a obtenção do diálogo, da estabilidade e da paz. Primando pela ordem constitucional e, sobretudo, querendo combater máfias ligadas ao mercado paralelo de câmbio, a proposta dos comandos vai no sentido de frear os planos que as frações de classes burguesas desejam implementar desde o início do século XXI: o término do governo chavista e de suas conquistas. A respeito das ações desestabilizadoras, podemos citar, por exemplo, a paralisia orquestrada de serviços públicos e produtivos relevantes em diversas províncias do território nacional.

 

  • Tentando romper com o problema da dependência econômica em meio a crise política, Nicolas Maduro anunciou, no início do ano (09/01), um novo plano econômico com o intuito de superar os problemas de abastecimento e reaquecer a economia venezuelana. Para isso, além de combater o câmbio paralelo via introdução de novas cédulas, foram estabelecidos 15 “motores estratégicos” para alavancar a economia – que é fundamentalmente dependente de inúmeras remessas de importação.

 

Com o horizonte de diversificar e desenvolver as forças produtivas, o governo aponta um orçamento expressivo de 300 bilhões de bolívares (cerca de 35 bilhões de dólares na cotação oficial) para financiar investimentos em setores-chave, entre eles: as áreas agroindustriais, o setor farmacêutico, a planta industrial, a economia comunal e o setor petroquímico.  Somado a isso, para manter o dinamismo econômico e conter as altas taxas de inflação, o novo plano econômico também prevê a circulação de novas moedas e reajustes semestrais do salário mínimo para que a renda dos cidadãos não seja corroída pelas fortes pressões de aumento do dólar norte-americano no mercado ilegal.

Por fim, tais elementos explicam, não em sua totalidade, algumas perspectivas de como o chavismo continua tão presente na Venezuela. Para a oposição, a luta se dará em dois campos: (1) Via um “golpe institucional”, onde a MUD forçará algum crime atribuído a Maduro, legitimando, desta forma, um suposto impeachment do presidente, mesmo que esse dispositivo não conste em nenhuma cláusula da Constituição. Ainda no campo institucional, no que diz respeito ao referendo revogatório, tal proposta parece distante, uma vez que a direita precisa juntar novamente 1% de assinaturas nos 5 estados impugnados pela Justiça.  Por outro lado, (2) a estratégia da oposição chefiada pelo grupo de Henrique Capriles, que busca “calentar las calles” com o intuito de aumentar os protestos contra o governo Maduro. Contando com a conjuntura favorável na região, Capriles pretende organizar a oposição ganhando o apoio de chefes de governo na América Latina, que já vetaram a presidência do bloco do Mercosul ao presidente venezuelano. Em suma, pressões internas e externas, que podem sufocar o governo bolivariano.

Apesar de todo contorcionismo teórico de inúmeros acadêmicos da ordem, não podemos falar que o caso venezuelano se assemelha em forma, tampouco em conteúdo ao processo brasileiro. Os distanciamentos são gritantes. Fazer a diferenciação entre o chavismo e o lulismo se faz necessário para a construção de uma agenda revolucionária na América Latina neste período de refluxo político e ideológico. Chegou a hora da verdade na Venezuela bolivariana.