Primeiro laboratório fabril da América Latina, criado pelo SENAI CIMATEC em parceria com a McKinsey & Company. Registro da visita técnica às instalações do SENAI CIMATEC durante o VI Encontro Nacional de Economia Industrial (VI ENEI), no dia 30 de maio de 2022, na cidade de Salvador/BA. Crédito da imagem: própria autora.

A tecnologia 5G está em franco processo de implantação no mundo, avançando nos últimos anos em ritmos variados de país para país. Aspecto fundamental da infraestrutura habilitadora da indústria 4.0, o novo padrão 5G se apresenta como um agente de transformação das principais áreas que compõem a economia internacional. Isto se deve ao seu poder de expansão da capacidade de banda larga móvel, bem como de fornecimento de recursos específicos para distintos setores da indústria e da sociedade como um todo, promovendo a liberação do potencial da internet das coisas (IoT, por sua sigla em inglês).

Apesar de todas as possibilidades abertas com as redes de quinta geração, é importante considerar que um desenvolvimento digital dissociado dos princípios de inclusão e sustentabilidade pode reforçar os padrões de exclusão e desigualdade sociais, assim como as práticas não-sustentáveis de exploração e produção. A implantação do 5G também se faz acompanhar de questões relacionadas à segurança humana e nacional, já que a renovação da infraestrutura global de telecomunicações destaca a redefinição das fronteiras dos sistemas internacionais de vigilância e o reposicionamento das empresas de tecnologia e das economias no sistema industrial, consagrando a infraestrutura civil básica como elemento central dos cálculos militares. Estas considerações atravessam a introdução das redes de quinta geração no Brasil, justificando iniciativas como a criação da Subcomissão Especial Implantação da Tecnologia 5G no âmbito da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTI) da Câmara dos Deputados e o estabelecimento de contrapartidas às empresas que operarão as redes no país.

Renovação da infraestrutura de telecomunicações rumo à indústria 4.0

A incorporação da digitalização à atividade industrial resultou no conceito de indústria 4.0. Neste contexto, o 5G representa a possibilidade de integrar e controlar a produção através de sensores e equipamentos conectados em rede, permitindo a fusão entre os mundos real e virtual, base dos chamados sistemas ciberfísicos. Ele viabiliza a expansão da internet industrial, dos sistemas inteligentes, das cadeias de valor virtuais e da inteligência artificial no âmbito dos processos produtivos. Além de acelerar as inovações, os ganhos de produtividade e, consequentemente, o crescimento econômico nas indústrias tradicionais, a incorporação das redes 5G à atividade industrial permite também a adoção de novos modelos de gestão e de negócios, gerando com isso novos mercados.

Assim, embora os serviços comerciais de rede 5G beneficiem mais imediatamente os usuários de telefones inteligentes (smartphones), que desfrutarão de melhores qualidade de vídeos e velocidade de download, por exemplo, os efeitos revolucionários da nova tecnologia deverão se fazer sentir principalmente no setor produtivo. Isso porque a alta capacidade e os recursos de ultrabaixa latência do 5G permitirão a implantação de veículos autônomos, automação fabril e outras tecnologias que demandam a comunicação quase instantânea e permanente entre um grande número de dispositivos numa mesma área.

Na interpretação da CEPAL, desde os anos 1980 a economia internacional transitou de uma economia conectada, caracterizada pela massificação do uso da internet e pela implantação das redes de banda larga, passando por uma economia digital, resultante da expansão dos usos das plataformas digitais como modelo de negócios de oferta de bens e serviços, até chegar, na atualidade, a uma economia digitalizada. A base deste paradigma atual de organização da economia internacional encontra-se na incorporação em seus modelos de produção e consumo de tecnologias digitais avançadas, tais como o 5G, a internet das coisas, computação em nuvem, inteligência artificial, analítica de grandes dados, robótica, entre outras.

Do ponto de vista da sociedade, essa disrupção digital provoca mudanças nos modelos de comunicação, interação e consumo, implicando em incremento da demanda por dispositivos, softwares com um maior número de funcionalidades, serviços de computação em nuvem e de tráfego de dados, além de demandar habilidades digitais básicas para utilização das tecnologias. Mudanças provocadas pela incorporação de novas tecnologias também são esperadas na gestão pública, podendo contribuir para o aumento da eficiência e eficácia da prestação de serviço pelos órgãos do Estado, melhoria da participação cidadã nos processos democráticos, aumento da transparência nas operações governamentais, facilitação de práticas sustentáveis e para soluções em cidades inteligentes.

Nesta perspectiva, as novidades da implantação do 5G dizem respeito à flexibilidade da infraestrutura de comunicações para suportar distintas necessidades dos usuários a partir de três aspectos principais: banda larga móvel extra veloz, comunicação massiva em escala e comunicação ultra confiável de baixa latência. Isto significa que o 5G possibilita uma conexão praticamente instantânea, sem interrupção, e o desenvolvimento de aplicações de alta complexidade, como cirurgias a distância ou o funcionamento de carros autoguiados.

Por estas características e usos diretos ou potenciais (comunicação pessoa-pessoa; comunicação pessoa-máquina; comunicação máquina-máquina), a implantação das redes de quinta geração tem justificado um rápido processo de renovação da infraestrutura de telecomunicações: empreendimento tecnológico lento, complexo e caro que, no entanto, está em curso a nível internacional. Na figura abaixo são apresentados grupos de aplicações 5G e potenciais serviços associados.

Fonte: Spadinger, 2021, p. 12

Em resumo, as redes de quinta geração (5G) são precisamente o recurso que viabilizará a convergência entre as telecomunicações e as tecnologias da informação e permitirá a adoção de tecnologias digitais e de inteligência artificial nos sistemas econômicos. Este fenômeno mudará a estrutura e a dinâmica da economia tradicional – com seus sistemas organizativos, produtivos e de governança – e dará lugar a uma nova etapa, de economia digitalizada – com suas inovações nos modelos de negócios, produção, organização empresarial e governança. Além de promover a tendência à implementação da internet das coisas, o 5G é o primeiro sistema de telecomunicações desenvolvido intencionalmente para dar suporte a quantidade massiva de dispositivos conectados, a sistemas industriais e a aplicações de missões críticas.

A interface de rádio das estações de base do sistema de telecomunicações (New Radio) é a tecnologia que define o 5G e garante suas aplicações, permitindo a conexão entre estas estações e os dispositivos periféricos da rede (como os telefones inteligentes, carros, objetos, etc.). A implantação do 5G ocorre em duas etapas: na primeira, chamada 5G não-autônomo (“non-standalone”), a New Radio é incorporada à infraestrutura já instalada de 4G, permitindo o aumento da velocidade de conexão; na segunda etapa, chamada 5G autônomo (“standalone”), é necessária a renovação completa da infraestrutura de telecomunicações para garantir a provisão da baixa latência, da ultra confiabilidade e a comunicação massiva entre máquinas. Esta segunda etapa é a mais importante para a indústria em geral, cujo objetivo consiste em empregar o padrão em redes privadas, para as quais é necessário adquirir frequências – que são as “vias” através das quais ocorrem a transmissão de dados.

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Países como Estados Unidos, China, Coréia do Sul e outros países asiáticos movimentam-se para liderar a implantação da tecnologia, buscando estimular mercados para a indústria doméstica de equipamentos de infraestrutura de redes e terminais, assim como de telecomunicações móveis. A maioria dos demais países, como é o caso do Brasil, desempenha medidas iniciais, particularmente de estudos, leilões de disponibilização de radiofrequências e implantação da tecnologia em algumas cidades.

Antecedentes regulatórios e a implantação do 5G no Brasil

No Brasil, os antecedentes regulatórios que permitem compreender a maneira como o 5G tem sido implementado remetem à instituição do atual modelo de competição no setor de telecomunicações, que teve início com as privatizações tornadas possíveis pela Reforma Gerencial do Estado de 1995 e, mais especificamente, com a chamada Lei das Telecomunicações de 1997. Dessa forma, o setor deixou de se constituir enquanto monopólio natural do Estado e passou a compor um mercado competitivo, atualmente ainda concentrado e incapaz de prover a universalização da banda larga (móvel ou fixa) e da cobertura do serviço celular. Somam-se a estes antecedentes a Lei Geral das Antenas – que estabelece normas gerais para implantação e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações – e a revisão da Lei das Telecomunicações realizada por meio de Decreto presidencial durante a gestão Michel Temer em 2018.

A atuação estatal para regular e promover as redes 5G no Brasil tem sido sistemática desde 2019, quando foi realizada consulta pública a setores da sociedade sobre o tema e elaborada a Estratégia Brasileira de Redes de Quinta Geração (5G). De acordo com o documento, a atuação do Estado é prevista em cinco âmbitos ou eixos específicos: i) radiofrequência – para tornar disponíveis as frequências necessárias para inserir o Brasil nesta nova geração de redes móveis; ii) outorga e licenciamento – na abertura de caminhos para construção de redes e da sociedade digital; iii) pesquisa, desenvolvimento e inovação – para a criação de infraestrutura e aplicações em 5G, na fronteira do conhecimento; iv) aplicações – para propiciar o acesso a aplicações inovadoras, baseadas em tecnologia 5G; e v) segurança – para promover a segurança e a confiabilidade das redes e serviços 5G.

Este processo foi acompanhado pela atualização das normativas nacionais sobre a exploração dos serviços e das políticas públicas de telecomunicações. Isto ocorreu com a recriação do Ministério das Comunicações em 2020 e as novas disposições sobre a política pública de telecomunicações promulgadas pelo presidente Jair Bolsonaro, em de setembro de 2021. Em 2020 foi constituído o Grupo de Trabalho (GT) 5G, no âmbito da Câmara dos Deputados, com o objetivo de avaliar e acompanhar os desenvolvimentos da implantação da tecnologia no Brasil, desde a edição do Edital de radiofrequências da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) até a sua aprovação final pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A continuidade do GT se deu na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTI) da mesma Câmara, por meio da Subcomissão Especial – Implantação da Tecnologia 5G, criada em maio de 2021.

Na prática, a principal medida para implantação do 5G teve início com a publicação do edital no mês de setembro e a realização do leilão de expedição de autorizações para uso de quatro subfaixas de radiofrequências, o Leilão do 5G, em novembro de 2021. Considerado o maior leilão da história das telecomunicações no Brasil e de radiofrequências da América Latina, ele movimentou mais de R$ 46 bilhões em investimentos, contando com a participação de 15 empresas. A implantação da nova tecnologia no país foi iniciada na cidade de Brasília em julho de 2022 e atualmente segue em implantação em pelo menos mais sete capitais (Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia, João Pessoa, Porto Alegre, Salvador e São Paulo).

A responsabilidade pela coordenação deste processo é do Grupo de Acompanhamento da Implantação das Soluções para os Problemas de Interferência na faixa de 3.625 a 3.700 MHz (Gaispi), criado pela Anatel e integrado também por representantes do Ministério das Comunicações, das empresas que ganharam o leilão, dos radiodifusores e das exploradoras de satélites.

Fonte: elaboração própria.

Mesmo com a realização do leilão do 5G e o começo da implantação da rede no país, um aspecto crucial deste processo segue gerando dúvidas, motivando discussões e ações, que é a oferta do serviço a toda a população, considerando-se as desigualdades sociais, econômicas e regionais que a antecedem. Este ambiente de questionamentos e desconfianças em torno das promessas do 5G justifica-se, inclusive, pelo fato de que mesmo com a ampliação do acesso a cobertura celular e a banda larga (móveis e fixas) desde a privatização do setor de telecomunicações na década de 1990, sua universalização ainda não se concretizou.

As contrapartidas exigidas às operadoras dos serviços de redes 5G talvez sejam as principais medidas adotadas para assegurar que as desigualdades de acesso não se farão realidade no Brasil. Ainda que sejam consideradas insuficientes, elas procuram fomentar a universalização e a interiorização da internet de banda larga 4G e 5G, além da promoção de políticas de inclusão digital que permitam ao Brasil a obtenção de ganhos de produtividade em decorrência da implantação das redes.

No que diz respeito aos usos empresariais e industriais das novas tecnologias digitais no Brasil, a aparente convergência existente quando o assunto é a necessidade de um maior envolvimento e participação das empresas no paradigma digital esbarra em obstáculos internos e externos. Estes obstáculos podem ser resumidos em: falta de controle sobre componentes e tecnologias, a escassa mão de obra disponível e infraestrutura ou implantação de um sistema de produção organizado.

Há no país certo consenso de que a indústria nacional ainda se encontra em grande medida na transição da indústria 2.0 (uso de linhas de montagem e energia elétrica) para a 3.0 (com aplicações da automação por meio da eletrônica, a robótica e a programação). Nesse sentido, espera-se que um dos maiores contemplados pelas inovações possibilitadas pela introdução das redes 5G no Brasil seja o agronegócio, acompanhado dos setores de tecnologia, informação e comunicação; governo; manufatura; serviços; e mineração.