Crédito da imagem: Obama e Biden se reúnem na Casa Branca para promover Obamacare em 5 de abril de 2022 — Foto: Leah Millis/Reuters/G1

Desde o início da década de 1960, após o rompimento dos laços diplomáticos entre os Estados Unidos e Cuba, a agenda externa estadunidense para a ilha foi pautada, sobretudo, pela hostilidade, austeridade, coerção, confronto, antagonismo e isolamento, em detrimento da lógica da coexistência.

Sustentadas por ferramentas retóricas sobre a benevolência estadunidense, as diferentes lideranças de Washington buscaram implementar medidas voltadas para retomar a influência sobre a ilha, que desde o século XIX era um território considerado pelos estadunidenses como uma área natural do seu domínio e que foi perdida a partir de 1959, após a Revolução Cubana.

Isto é, as ações colocadas em prática tinham como objetivo a derrubada do governo revolucionário cubano, a implementação de um modelo político baseado na democracia representativa e abertura da economia de Cuba.

Com a chegada de Barack Obama ao poder nos EUA em 2009, é possível perceber ao longo de seus mandatos uma inflexão mais sistemática, sólida e duradoura na política externa para a relação Washington-Havana. Ainda que determinadas questões da dinâmica conflitiva tenham permanecido, assim como o interesse em promover mudanças na ilha, acredita-se que a lógica da coexistência, paulatinamente passara a ser predominante nesta agenda bilateral.

No lugar da implementação de medidas mais duras, voltadas para promover mudanças rápidas, a nova estratégia seguiu a lógica de que deveria ser estimulado uma maior interação entre os cidadãos estadunidenses e a população cubana. O pressuposto era que a maior interação levaria ao fortalecimento dos indivíduos que moravam na ilha. Dessa forma, eles teriam mais recursos para pressionar o governo local a promoverem maiores aberturas políticas e econômicas.

A partir de então, buscou-se a reaproximação bilateral e foi possível observar um esforço para a ampliação dos canais de diálogo, pelo desenvolvimento e implementação de novos acordos de cooperação. Como resultado, os laços diplomáticos foram restabelecidos em 2015, com a reabertura das embaixadas nos dois países.

Com a chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em 2017, além da descontinuação do chamado processo de normalização, houve retrocessos nos avanços conquistados com a reversão de iniciativas implementadas pela gestão Obama.

Ao vencer as eleições de 2020, Joe Biden recebeu a difícil tarefa de reconstruir a política externa estadunidense, após a administração anterior ter implementado uma agenda profundamente conservadora, unilateral e nacionalista.

Nesse processo de reconstrução, era natural o questionamento se Biden resgataria alguns elementos da política externa da gestão Obama, na qual foi vice-presidente. Essa indagação foi reforçada ao se considerar a escolha de Antony Blinken para gerenciar a nova agenda internacional. Este último também fez parte da gestão Obama, tendo atuado como secretário de Estado adjunto de 2015 até 2017.

Durante a sua campanha eleitoral, Biden emitiu sinais no plano retórico de que estava disposto a realizar uma revisão da política externa do governo Trump para Cuba, pois a situação não contribuía para promover melhorias em questões envolvendo os direitos humanos e a democracia. Dessa forma, acreditava-se que a tendência era favorável à retomada do processo de reaproximação ao governo de Havana, iniciado anteriormente por Barack Obama.

Leia mais:  A Cooperação Internacional em Saúde: Cuba e o caso Mais Médicos no Brasil

No entanto, no início de sua gestão, essas expectativas foram frustradas. Diante do contexto de crise internacional em diferentes vertentes estimulada pela pandemia, a revisão da agenda cubana não era uma prioridade.

Em julho de 2021, diante da intensificação da crise econômica cubana atrelada aos efeitos do aumento de restrições impostas por parte do governo estadunidense e relacionadas a pandemia – por exemplo, a redução drástica da entrada de moeda forte[1] através do turismo –, uma série de protestos foram mobilizados na ilha. Como resposta, o governo de Havana agiu de forma enérgica para conter as mobilizações.

Em um primeiro momento, a reação da gestão Biden à repressão dos protestos foi optar pelo emprego de um tradicional recurso, comumente utilizado antes da administração Barack Obama: a implementação de novas sanções a oficiais cubanos. A retórica empregada era que os estadunidenses apoiavam a população cubana em sua luta pela liberdade e contra o sofrimento econômico provocado pelo governo autoritário.

Porém, a partir de maio de 2022, é possível observar, de certa maneira, o resgate da estratégia implementada por Barack Obama. Com apoio da retórica da benevolência, a gestão Biden anunciou uma série de mudanças na política externa para Cuba através da flexibilização de restrições impostas sobre Cuba.

As novas medidas permitiam a intensificação do contato entre a população cubana e a estadunidense, uma vez que possibilitaram o aumento do fluxo de voos entre os dois países, facilitavam o reagrupamento familiar, reduziam as barreiras para o envio de remessas de dinheiro para a ilha e serviam de estímulo ao desenvolvimento do setor privado cubano.

Dessa forma, é possível afirmar que assim como na gestão Obama, o interesse estadunidense permanece o mesmo desde o início da década de 1960, porém, com uma alteração na estratégia utilizada para alcançar esse fim. Isto é, que ocorressem mudanças na ilha, voltadas para a implementação da democracia representativa e um modelo econômico nos moldes do liberalismo para a ilha ser incorporada ao que era considerado uma zona natural de influência dos EUA.

No entanto, assim como na administração de Barack Obama, essas novas medidas implementadas permitem considerar que para alcançar tal objetivo, está sendo priorizada uma estratégia de longo prazo com o instrumento predominante passando a ser diplomático, com base no engajamento.


[1] É considerada como moeda forte aquela emitida por um país que consegue manter ou aumentar o valor da sua moeda, independentemente das oscilações da economia mundial. Ademais, representa poder de compra em diferentes países.


*Revisão: Italo Sposito

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI), do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI/UNESP).