Foreign Minister Yoshimasa Hayashi speaks at a news conference at the ministry in Tokyo on Thursday. | KYODO

O termo Sul Global foi popularizado nas últimas décadas do século XX como forma de abarcar as nações subdesenvolvidas em oposição aos países do Norte Global. 

Ocorre que alguns países se destacam por atuar no intercâmbio entre estes blocos, como é o caso do Japão, país pertencente ao Norte Global mas que possui fortes vínculos para com o Sul Global.

Economicamente, o Japão apresenta-se ao Sul Global enquanto importante importador de bens primários e exportador de bens finais de alta tecnologia. Esta relação deve-se não somente à Divisão Internacional do Trabalho, mas também devido à baixa disponibilidade de recursos naturais do arquipélago japonês, historicamente insuficiente para sustentar a terceira maior economia do planeta. Desta insuficiência resulta, por exemplo, seu posto de maior importador de petróleo do mundo.

Do ponto de vista populacional e cultural, os nipônicos possuem ainda um forte vínculo para com o Sul Global por conta dos nikkei, imigrantes japoneses e seus descendentes, pois alguns dos países deste bloco absorveram os fluxos migratórios da diáspora japonesa. A população global deste grupo é estimada pelo governo japonês em 3.8 milhões de pessoas, das quais 2.114.500 é latino-americana.

Distribuição dos Nikkei pelo mundo. Fonte: Governo do Japão, 2023.

Ocorre que a Terra do Sol Nascente tem demonstrado interesse crescente em estreitar ainda mais as relações com o Sul Global. Declarações recentes do Ministério de Relações Exteriores e do próprio Primeiro Ministro do país denotam uma tentativa de fortalecimento dos vínculos diplomáticos para com o bloco dos países subdesenvolvidos.

Durante sua visita oficial ao Brasil em 09 de janeiro de 2023, o Ministro de Relações Exteriores do Japão, Hayashi Yoshimasa, discursou acerca do que denominou “expansão das redes de solidariedade”. Segundo o político, a era que se iniciou após o fim da Guerra-Fria se caracterizou pela dominância dos Estados Unidos da América sobre a comunidade internacional. Com a ascensão econômica e política dos países emergentes, esta ordem chegou ao fim e deu lugar a uma nova balança de poder, agora caracterizada pela disputa entre Estados. O principal conflito que atualmente caracteriza esta disputa é a Guerra da Ucrânia.

Visita de Yoshimasa. Fonte: Ministro de Relações Exteriores, 2023.

Para evitar que novos conflitos surjam nesta nova era das relações internacionais, continua o ministro, Yoshimasa considera essencial que se criem redes de solidariedade entre as nações, processo no qual a América Latina e o Caribe, “amigos de longa data do Japão” , podem desempenhar papel de destaque.

Poucos dias após esta declaração do Ministro de Relações Exteriores, em 13 de janeiro de 2023, o Primeiro Ministro japonês Fumio Kishida manifestou a mesma intenção de aproximação para com o Sul Global. A declaração em questão se relaciona ao fato de que, no ano de 2023, cabe ao Japão a presidência do G7. Kishida afirmou categoricamente que o grupo precisa buscar se aproximar do que o próprio denominou de Sul Global.

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Além de ir ao encontro da fala se seu ministro, Kishida demonstra claramente que a integração pretendida para com o Sul Global não se encerra em uma relação bilateral entre o país e o bloco. Mais do que isso, o governo japonês demonstra interesse em mediar a aproximação entre Sul Global e Norte Global, agindo como o “vizinho do norte” e se valendo dos vínculos já estabelecidos com os países subdesenvolvidos.

As motivações para tal estratégia alinham-se diretamente ao contexto apresentado pelo ministro Yoshimasa. Segundo Kishida, esta aproximação torna-se necessária em um contexto de crises energética e alimentícia, intensificadas pela guerra da Ucrânia.

A menção à crise energética feita por Kishida se insere num contexto de enorme dependência japonesa por petróleo e GLP (gás liquefeito de petróleo) russos. A dimensão dessa dependência levou o país a contornar uma deliberação do próprio G7 que estabelece um preço máximo a ser pago pelo petróleo russo no mercado internacional, no valor de U$ 60,00. Ao longo do segundo semestre de 2022 e do primeiro semestre de 2023 o governo japonês importou barris de petróleo russo por U$ 70,00, alegando a necessidade de manter a segurança energética do país.

Nesse sentido, a aliança com os países do Sul Global (e futuramente os demais países do Norte Global) pode ser útil ao Japão como forma de diminuir sua dependência em relação às exportações russas.

Em maio de 2023 Kishida realizou novas investidas em direção ao Sul Global, tendo visitado Egito, Gana, Moçambique e Quênia. Na visita foram anunciadas intenções de investimentos em infraestrutura para projetos no continente africano. Esta empreitada novamente se insere no contexto da nova balança de poder internacional, tendo em vista a crescente influência da China sobre países do continente africano.

Fumo Kishida se reúne com William Ruto, Presidente do Quênia, em 03 de maio de 2023. Fonte: Reuters.

A nova perspectiva japonesa em relação ao Sul Global ressalta a crescente importância internacional dos países subdesenvolvidos, agora peças chaves na disputa pela nova dinâmica geopolítica global. Por outro lado, também assinala uma tentativa de responder às investidas da China e da Rússia em reforçar suas próprias ligações para com alguns destes países.

Enquanto a política externa japonesa adere ao conceito de Sul Global, chineses e russos reforçam sua intenção em fortalecer o BRICS, que hoje adquire particular significância geopolítica. Unindo China e Rússia a alguns dos mais relevantes países subdesenvolvidos, o fortalecimento e a expansão do bloco podem influenciar a inserção do mundo subdesenvolvido na nova disposição de forças global.

O interesse crescente das grandes potências pelos países subdesenvolvidos representa a disputa por influência geopolítica que caracterizou a comunidade internacional nos últimos anos. Cabe agora aos países do mundo subdesenvolvido criar, em consenso, uma agenda própria que os permita pautar esta disputa de acordo com seus interesses internos.