A atualidade das questões internacionais tem imposto diversos desafios ao cidadão moderno e, sobretudo, ao analista internacional. Análises mais recentes têm demonstrado a necessidade de considerar os atores societários domésticos na análise de política externa, contrapondo-se a uma visão mais tradicional das relações internacionais, que tende a considerar os Estados como atores que respondem tão-somente às alterações do ambiente internacional, ainda que considerada suas variações.

Tal ponderação, se transposta para a análise da política externa brasileira contemporânea, significa incluir no arcabouço analítico os atores domésticos e todas as especificidades histórico-sociais que lhes pertencem, além da investigação dos contextos externos.

Neste sentido, se a política externa brasileira enfrenta nos anos recentes um momento de quase inoperância e tem sido submetida a diversas críticas, também é verdade que o protagonismo brasileiro no cenário internacional ao longo da última década e meia serviu como combustível para tais críticas, por ter sido tomado como parâmetro.

Assim sendo, o maior protagonismo da política externa brasileira foi impulsionado tanto pelo cenário internacional quanto pelo contexto doméstico de maior estabilidade política e econômica. Dito de outro modo e desdobradamente: o ambiente doméstico mais estável e de crescimento econômico via exportação de commodities, especialmente no governo Lula (2003-2010), foi um importante fator para que a política externa ganhasse força e projeção.

A debilidade das análises que avaliam as ações de política externa a partir de um prisma meramente institucional – o Itamaraty – deriva de um equívoco analítico que confunde aparência com essência: aquilo que os atores que personificam a política externa falam ou fazem é compreendido como sendo um pressuposto válido e verdadeiro. Não se questiona o abismo existente entre o que se fala oficialmente e o que se faz como resultado da própria dinâmica política circunstancial. Tal crítica também pode ser aplicada para o caso de análises que se prendam somente a documentos oficiais.

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As diversas variáveis internas devem ser analisadas através de uma ótica histórico-sociológica que respeite as interações e os conflitos entre os diversos atores sociais, considerando a dinâmica política, que reflete os emblemas presentes no chão social de um dado país.

Neste sentido, parece adequada a conclusão de que visando não cair em emboscadas normativas tão sedutoras – que confundem aparência com essência – cabe ao analista internacional considerar o quadro societário doméstico, para compreender a dinâmica dos diversos atores que influenciam os projetos e os processos decisórios de política externa.

A análise dos nexos causais que se desdobram em decisões de política externa passa pelos atores domésticos, não dissociados da trama social que lhes é própria. Neste sentindo, a ideia de que “o externo é reflexo do interno” pode ser aproximada da afirmação popular de que “a verdadeira beleza vem de dentro” e ser acatada como um pressuposto teórico-metodológico relevante na análise de política externa.

Particularmente no caso brasileiro, em tempos de tantas crises – incluindo a crise da política externa – e em um momento de particular polarização política e social, é evidente a imbricada relação entre os embates políticos domésticos e a crise da política externa.