Thauan Santos

Professor do Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio) e do Departamento de Defesa e Gestão Estratégica Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (DGEI-UFRJ).


Nos últimos meses, o Brasil tem vivenciado um momento delicado de sua política doméstica. Mais precisamente, fatores de natureza econômica e, com mais intensidade, política, vêm colocando uma série de interrogações quanto ao destino da Política Externa Brasileira (PEB), da Integração Regional (IR) e da Cooperação Sul-Sul (CSS).

O recente afastamento, em 12 de maio de 2016, e a posterior condenação, em 31 de agosto do mesmo ano, da então presidente da República em exercício, Dilma Rousseff, agitou o cenário (geo)político brasileiro e regional. Até a decisão final da semana passada, diversos foram os organismos e as instituições, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), a União das Nações Unidas do Sul (UNASUL) e o Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO), por exemplo, que já haviam se posicionado contra o processo que ocorria no Brasil.

A maior crítica feita era de que não haveria matéria para qualificar a decisão final do processo de impedimento, que já se encontrava em sua última instância, no Senado. Muito embora o impeachment seja constitucional no Brasil, é necessário que haja condenação por crime de responsabilidade, fato negado pelo Ministério Público Federal (MPF) em julho de 2016. Após longa discussão, porém, os senadores aprovaram a cassação por larga maioria.

Nos últimos dias, contudo, os posicionamentos públicos de alguns países sul-americanos (como Bolívia, Equador e Venezuela), em relação ao novo governo brasileiro, assim como a revisão doméstica do novo governo de Michel Temer para com as relações diplomáticas com seus vizinhos, vêm produzindo em curto espaço de tempo momentos de tensão e abalos na credibilidade das parcerias já consolidadas (como é o caso boliviano e o venezuelano).

Sucedendo-se os eventos do afastamento da presidente a partir de maio, já houve naquele momento uma manifestação dos governos venezuelano e boliviano questionando a legitimidade do processo político-institucional brasileiro de impedimento e a subsequente posse do vice-presidente da República (13/05/2016). Cuba, Bolívia, Equador, Nicarágua e a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América também se manifestaram. Em tom de menor crítica, também houve o posicionamento de outras lideranças americanas contrárias ao processo, como Tabaré Vasquez no Uruguai. O governo brasileiro repudiou as declarações e manifestou descontentamento com a posição desses países, criticando o processo político interno de alguns e o compromisso dos respectivos regimes com a democracia.

A relação diplomática Brasil-Venezuela vem apresentando os maiores atritos, minando significativamente os entendimentos e a parceria bilateral construída na década anterior. Além da troca de notas oficiais de condenação e acusação mútua sobre a falta de legitimidade democrática dos governos, destaca-se o aumento da pressão brasileira sobre a questão política doméstica venezuelana e o status do país no Mercosul. Notadamente, percebe-se o crescimento expressivo da crítica brasileira no tocante à adesão do governo venezuelano a compromissos formais de direitos humanos atrelados ao Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul (2006).

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O caso mais emblemático, todavia, é o recente posicionamento brasileiro de postergação da transmissão da presidência do bloco à Venezuela. O governo brasileiro vem acusando o governo venezuelano de falta de vontade política em incorporar compromissos pendentes quando da adesão do país no Mercosul, o que faria do governo um “sócio incompleto” do Mercosul. Portanto, não estaria qualificado para suceder o Uruguai na presidência do bloco, conforme previsto.

Não bastasse o embate que se dá no âmbito do Mercosul, o cenário se tornou ainda mais delicado com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Após a decisão final de impedimento, o governo venezuelano decidiu retirar definitivamente seu embaixador do Brasil (31/08/2016) e congelar as relações políticas e diplomáticas com o novo governo do Brasil.

No que se refere mais especificamente à cooperação sul-sul (CSS), desde maio de 2016 o então ministro de Relações Exteriores, José Serra, tem mostrado interesse em afastar as relações brasileiras com os países africanos. Um exemplo disso foi a encomenda de um estudo em maio acerca do custo e da utilidade de determinados postos diplomáticos na África, criados a partir dos governos Lula (2003-2010). De acordo com a BBC, em junho, os postos com maiores chances de serem fechados seriam os da Libéria, Serra Leoa e Mauritânia, na África, e os de Dominica, São Vicente e São Cristóvão, no Caribe.

Especulações à parte, o fato é que se pode fazer algumas reflexões acerca do cenário atual nacional e regional. Em primeiro lugar, identifica-se a intenção da PEB quanto a ganhos econômicos, nomeadamente no estreitamento dos laços (comerciais) com os principais parceiros comerciais brasileiros, como os Estados Unidos (EUA), a União Europeia (UE) e alguns países do eixo Ásia-Pacífico.

Já no que se refere à análise geopolítica da região, o que se pode perceber é um avanço do poder pela centro-direita na América Latina. No Peru, Pedro Pablo ­Kuczynski foi eleito presidente em meados desse ano; na Argentina, Mauricio Macri foi eleito presidente no final de 2015; Na Venezuela, Nicolás Maduro foi derrotado nas últimas eleições legislativas, perdendo o controle da Assembleia Nacional; por fim, no Brasil a “era PT” chega ao fim com a consumação do que muitos afirmam ser um golpe de Estado.