Como toda forma de violência extrema, o atentado ocorrido em Orlando, Florida, no dia 12 de junho, gera mais perguntas que respostas. E por isso mesmo é comum encontrar afirmações categóricas e suposições acerca do que aconteceu e das possibilidades empíricas no que diz respeito à política dos Estados Unidos – especialmente em ano eleitoral.

Que apontamentos práticos, por exemplo, permitiram afirmar que Donald Trump sairá “beneficiado” pelo que aconteceu em Orlando, como se chegou a afirmar? A meu ver, poucos e, portanto, o contrário seria mais provável. Façamos uma restituição e uma análise do ocorrido para demonstrar esse ponto de vista.

É necessário antes de tudo apontar que não se trata de uma boate gay, mas de um marco LGBT da cidade de Orlando, em que manifestações de orgulho, passeatas e empoderamento de minorias foram estabelecidas nos últimos anos. Além do efeito prático de ressaltar a posição e o papel do estabelecimento na comunidade, existe um fator ideacional com forte apelo emocional.

Mais ainda, muito tem se falado de a possibilidade do atirador ser homossexual ou, em termos mais informais, um “gay enrustido”. É necessário evitar cair na falácia de que o atentado tenha ocorrido por essa razão, até mesmo por que não há como comprovar tal suposição. O fato de Omar Mateen ser ou não homossexual não altera o que fez e pouco influencia na conduta e no planejamento de ataque tão monstruoso. Sua ação foi premeditada, influenciada por fatores endógenos e exógenos: uma possível psicopatia e a existência de narrativas e influências extremistas internas e externas aos Estados Unidos.

Deveríamos nos perguntar mais sobre o contexto em que as coisas acontecem e menos sobre as particularidades (que provavelmente não explicam o fenômeno como um todo): se ele fosse branco e heterossexual, de que ele seria chamado, terrorista? Se fosse cristão, sua religião seria apontada como possível influência ou até mesmo justificativa para o atentado? Não pretendo responder essas questões, apenas apontar como é complicado afirmar taxativamente os porquês e as razões desse ato de violência.

Dificilmente teria havido ligação formal e direta com o Estado Islâmico ou outros grupos terroristas. Obviamente, parte-se de pressupostos e informações divulgadas e já conhecidas, mas ainda assim não imagino surgir grandes novidades nesse aspecto. O criminoso era, de fato, um “lobo solitário”, ou seja, aquele que age sozinho, de forma premeditada e que possivelmente seria classificado como psicopata – que usa ou não de narrativas ideologizadas e/ou religiosas. No caso de Omar, não se tratou de um atentado de cunho religioso ou fundamentalista, mas de um crime de ódio, com um nome muito próprio e que muitos têm evitado usar: homofobia.

Isso posto, volto à premissa inicial: Trump não sairá “beneficiado”, pelo contrário, terá sua imagem ainda mais desgastada. Em primeiro lugar, o fato de que Obama é possivelmente um dos presidentes mais populares da história dos Estados Unidos pesa muito na eleição que virá, e seu legado será essencial na campanha de Hillary Clinton e na coesão dos democratas em torno de si. O presidente dos Estados Unidos tem assumido posições mais assertivas em seu segundo mandato, e isso se traduziu em políticas abertamente pró-LGBT e contra a venda indiscriminada de armas de fogo. Isso por si só já demarca território e contradiz o discurso republicado extremado de Trump, que em momento algum apresentou qualquer simpatia com o movimento LGBT e é firme defensor da compra e porte de armas por cidadãos americanos.

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Em segundo lugar, a questão do terrorismo. Obama e Hillary tem buscado desvencilhar o discurso do fundamentalismo islâmico e da imigração em relação ao atentado ocorrido na Flórida. Seus discursos demonstram empatia, solidariedade e firmeza quanto à necessidade de impedir que armas de fogo continuem sendo compradas livremente em boa parte do país. Trump faz o oposto, afirma categoricamente que o problema reside na questão das fronteiras, que os muçulmanos não compartilham qualquer traço de identidade ocidental e, portanto, não teriam capacidade de assimilar a cultura e as ideias dos Estados Unidos.

É incorreto afirmar, como faz Trump, que Bill Clinton tenha sido o responsável pelo surgimento da Al Qaeda, ou que seu governo foi omisso em relação aos atos terroristas. Pelo contrário, foi justamente durante o governo Clinton que Osama bin Laden foi citado pela primeira vez nos documentos oficiais trocados pelas agências norte-americanas. Existem ainda cartas do próprio presidente ao Congresso dos Estados Unidos pedindo com tom de emergência mais recursos para combater novas ameaças relacionadas à Al Qaeda, o que não foi respondido à época. Cabe ainda lembrar que foi justamente durante o governo de George W. Bush, republicano, que muitos recursos de agências importantes no combate ao terrorismo tiveram diminuição ou cortes – o que muitos especialistas afirmam ter acarretado grandes perdas na capacidade de prever e combater ameaças.

Tudo posto, não concordo com a afirmação de que Trump sairá à frente de Hillary ou dos democratas. Pelo contrário, o partido Democrata tem conseguido unificar o discurso e apontar que é justamente o discurso do candidato republicano que incentiva e influencia atos de ódio e extremismo dentro dos Estados Unidos. A soma desses fatores é explosiva e tende a agravar questões muito sensíveis como as disputas raciais, por exemplo. Não é à toa que os Estados Unidos são o país desenvolvido com o maior número de atentados e tiroteios, com boa parte deles relacionados às desavenças históricas entre grupos marginalizados.

A cultura de definição do “eu” e do “outro” que Trump prega e defende faz muito mal a um país que ainda estanca cicatrizes abertas há décadas e que agora vê mais uma ferida marcar sua história recente. Hillary com certeza usará da narrativa extremada do seu opositor para reforçar seu ponto de vista, buscando se aproximar gradativamente de Barack Obama. Se não radicalizar o discurso, terá grandes chances de sair vencedora. Orlando não será esquecida.