2017 marca os duzentos anos de uma das passagens mais importantes no processo de formação do Brasil: a Revolução Pernambucana de 1817. Ainda que seu papel como vanguarda da Independência (1822) provoque debates, não há discordâncias acerca do seu horizonte autonomista e republicano, antecipando pautas que se apresentariam nas décadas seguintes.

As primeiras décadas do século XIX foram marcadas por intensa mudança sistêmica. A independência das Treze Colônias do jugo britânico, e os ciclos revolucionários na Europa, ajudaram a deteriorar a estrutura do antigo regime. A ascensão de Napoleão Bonaparte simbolizou a consolidação das diversas conquistas da Revolução, no entanto, a expansão imperial francesa sobre a península ibérica acabou por desorganizar os domínios coloniais. A invasão francesa foi essencial no processo de independências na porção espanhola das Américas, além de obrigar a família real portuguesa a deixar a Europa rumo ao Brasil.

A origem da Revolução Pernambucana está intimamente relacionada com as mudanças impostas pela transmigração da corte portuguesa para o Brasil (1808) e a imediata abertura dos portos. A presença de D. João e sua corte em terras brasileiras mudou a realidade político-administrativa, representando uma nova dinâmica econômica e social. Também significava uma alteração no status internacional daquelas terras, elevadas a um novo patamar pela conjuntura singular. Nos anos que se seguiram foi possível acompanhar profundas mudanças na realidade local, em especial no Rio de Janeiro, a nova sede do vasto Império Português.  

No Brasil, a capital carioca substituiu o controle metropolitano de Lisboa na nova geografia do poder colonial, angariando vantagens e recursos oriundos da sua recém-adquirida e inusitada posição. Por outro lado, outras regiões brasileiras se ressentiam não apenas deste predomínio, mas também dos altos impostos destinados tanto à manutenção da família real na cidade, como para cobrir as despesas de guerra iniciadas no Prata e na Guiana após a chegada.

Em Pernambuco, a vinda corte coincidiu com um ciclo de grande enriquecimento proveniente do algodão, após um longo período de predomínio açucareiro. Beneficiando-se da abertura dos portos, o produto saía da região diretamente para os países industriais, sendo escoado diretamente pelo porto de Recife, que se transformou em um entreposto de intenso trânsito comercial.

Na esteira das mercadorias e divisas, os comerciantes que ali aportavam trouxeram também novos conceitos e ideias, eminentemente inspirados pelo vitorioso movimento de independência dos Estados Unidos (1776) e da Revolução Francesa (1789). Em seu conjunto os ideais se somavam com as já existentes divergências perante o estatuto colonial e as restrições impostas pela corte no Rio de Janeiro. Unidas à indignação disseminada sobre os altos impostos, as manifestações se converteram em um movimento crescente de contestação. No mais, o passado de luta contra os holandeses e o forte senso de identidade e coesão existente na região, ajudavam a fomentar sentimentos autonomistas.

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A insatisfação se agravou com a criação de uma política de favorecimento de comerciantes portugueses na região, em uma tentativa de diminuir suas perdas com o fim do exclusivo colonial, resultando em um aumento dos preços de diversos alimentos de primeira necessidade. Ademais, duras secas atingiram a região nos anos de 1815 e 1816, afetando especialmente o complexo de produção de algodão, intensificando a crise econômica e social.

O clima de insurgência era fomentado em espaços de discussão, como nas lojas maçônicas, que se transformaram em centros de atividade revolucionárias. Antecipando qualquer sublevação, o governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro ordenou no dia 6 de março a prisão de suspeitos de conspirar contra a tranquilidade pública. No entanto, após o capitão de artilharia José de Barros de Lima resistir à ordem e matar seu superior, houve uma intensa reação amparada pelo sentimento disseminado de insatisfação que levou os revoltosos a tomarem o poder.

Um governo provisório foi instituído, sendo integrado por notáveis que procuraram dar densidade ao movimento por meio da redação de uma Lei Orgânica que estabelecia um regime soberano e republicano. Estabeleceu-se também a defesa de princípios liberais como a liberdade de imprensa e a igualdade entre os cidadãos livres, enquanto no plano prático se procurou garantir o apoio popular diminuindo impostos, aumentando o soldo e liberando presos políticos, ajudando a garantir a adesão de Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. No plano externo, procurou-se apoio e reconhecimento na região do Prata, Estados Unidos e Inglaterra, sem grandes resultados.

A manutenção da escravidão gerou discordâncias internas, especialmente em setores receosos dos efeitos da eventual abolição, quebrando qualquer possibilidade de união do movimento. A reação enérgica de D. João VI ajudou a inviabilizar novos avanços e, em aproximadamente dois meses, as forças do governo republicano foram sufocadas pela ação conjunta de um bloqueio marítimo e de forças enviadas por terra da Bahia. A repressão foi imediata, impondo penas de morte para seus principais líderes e centenas de outras prisões.

Apesar do fracasso da insurreição que criou a curtíssima República Pernambucana de 1817, a tentativa pôs no primeiro plano as vozes dissonantes do período joanino, descontentes com a opressão da Coroa portuguesa, em uma retórica independentista. Emulando as ideias correntes na Europa, nos Estados Unidos e em alguns dos processos de independência hispano-americanos, a insurreição se converteu em uma tentativa de internalizar diversas dessas demandas em solo brasileiro. Sua memória guarda para os dias de hoje importantes reflexões sobre uma das mais emblemáticas experiências políticas na construção do Brasil e a permanência de pautas ainda inconclusas.