Joe Biden (ao centro) em seu primeiro Estado da União (01/03/2022). Ao seu lado, a vice-presidente e líder do Senado Kamala Harris (à esquerda) e a líder da Câmara dos Represennates Nancy Pelosi (à direita). Crédito da imagem: Vogue

As eleições de meio de mandato (midterms) se aproximam nos Estados Unidos e, ao que tudo indica, o presidente democrata Joe Biden corre sério risco de perder a apertada maioria no Congresso em novembro. Segundo uma pesquisa divulgada pelo site FiveThirtyEight no dia 15 de junho, cerca de 45% dos americanos preferem o Partido Republicano no Congresso, enquanto 42,4% preferem o Partido Democrata. A preferência pelos republicanos vem aumentando desde novembro de 2021, quando o partido passou os democratas nas intenções de voto. Proporcionalmente, a popularidade de Biden também vem caindo desde agosto do ano passado. O presidente já acumula uma média de desaprovação de 54,3%, enquanto apenas 39,9% dos americanos o aprovam, fazendo com que ele “ostente” um dos menores índices de aprovação entre todos os presidentes dos Estados Unidos.

Para garantir um governo de maioria no próximo período, Joe Biden possui alguns desafios a serem superados nos próximos meses. O tempo é curto e a atual configuração do Congresso tornam as coisas ainda mais difíceis: os republicanos precisam conquistar apenas cinco cadeiras na Câmara dos Representantes e uma no Senado para se tornarem maioria nas duas Câmaras.

Os desafios de Biden

Para entender a baixa aprovação de Joe Biden, é necessário identificar os fatores considerados pelos eleitores na hora de avaliar o governo. De acordo com uma matéria do Wall Street Journal, a economia e a inflação são fatores chaves para a maioria dos entrevistados. Nesse sentido, as dificuldades que Biden enfrenta em conduzir essas pautas pode ser um sinal claro de queda de popularidade. A alta nos preços da gasolina e do gás desde que o governo americano proibiu a importação de petróleo russo, em março de 2022, não agradou o eleitorado, que já enfrenta um aumento substantivo do custo de vida (cerca de 63% dos entrevistados acreditam que Biden não está agindo como deveria na questão Rússia-Ucrânia).

Além disso, apesar de em abril de 2021 Biden ter anunciado um plano de recuperação na casa de US$ 1,9 trilhão para tentar compensar as perdas da pandemia, a inflação vem atingindo índices recordes – em maio de 2022, chegou a 8,6%, o maior índice em 40 anos, fazendo com que o custo de vida e o poder de compra sigam em queda. A crise no país soma-se à crise global nas cadeias de suprimento pela COVID-19, que apesar de estar em processo de recuperação, ainda pode ser um fator que prejudique a popularidade do presidente americano. O recente aumento na taxa de juros anunciado pelo Fed almeja conter a crise inflacionária, mas ainda é cedo para afirmar com segurança seus efeitos práticos.

Por ora, é claro que a falta de habilidade do presidente em controlar a crise econômica e inflacionária prejudica a imagem do Partido Democrata como um todo, assim como aumenta o risco de que o descontentamento do eleitorado americano se reflita nas urnas em novembro.

Um Tea Party 2.0 está a caminho?

Outro obstáculo que se materializa durante as primárias republicanas é o fortalecimento das candidaturas associadas à figura do ex-presidente Donald Trump. Os trumpistas estão ligados a grupos ultranacionalistas e antidemocráticos, além de conspiratórios, sobretudo por manterem a afirmativa de que as eleições de 2020 foram fraudadas. O ex-presidente Trump vem conseguindo nomear candidatos em vários estados, mostrando que sua influência dentro do partido republicano ainda é forte e está longe de acabar. Na Pensilvânia, estado importante para as eleições em 2024, Trump conseguiu nomear o negacionista Doug Mastriano para concorrer ao governo. Na Carolina do Norte, o deputado Ted Budd, que votou contra a certificação das eleições que deram a vitória a Biden, foi o nome escolhido do partido para concorrer ao Senado. Além disso, vários candidatos que pautaram suas agendas nos ideais do ex-presidente foram nomeados para concorrer à Câmara dos Representantes em novembro.

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Toda essa movimentação acende o alerta dentro da cúpula do Partido Democrata. Caso as projeções se concretizem e os republicanos se tornem maioria no Congresso, Biden precisa se preparar para uma oposição muito mais radicalizada e conspiratória, que irá se opor a qualquer medida apresentada pelo presidente nos próximos dois anos, dificultando a formação de coalizões bipartidárias. O cenário é bastante parecido com Barack Obama em 2010, quando o movimento Tea Party elegeu deputados e senadores ultraconservadores nas eleições de meio de mandato, isolando o democrata no poder. Caso um “Tea Party 2.0” realmente esteja a caminho, Biden precisa se preparar para um período que lhe exigirá maior poder de negociação.

A busca pela unidade

Desde a campanha de 2020, Biden tenta manter um bom diálogo com os setores progressistas do Partido Democrata, sendo nítida a tentativa do presidente em manter a coesão intrapartidária. Até o momento, ele vem obtendo relativo sucesso nessa empreitada, uma vez que os democratas estão se unindo em quase todas as votações no Congresso esperando alcançar a maioria nas duas casas e fazer a agenda de Biden avançar em alguma medida. Agora, mais do que nunca, essa unidade precisa ser fortalecida.

Porém, seguindo a tendência de 2016 com o boom da campanha de Bernie Sanders, as negociações estão mais favoráveis para os progressistas esse ano. Isso porque as candidaturas à esquerda têm ganhado força dentro do partido, acumulando vitórias nas primárias em vários distritos eleitorais. A socialista Alexandria Ocasio-Cortez segue para seu terceiro mandato representando o 14º Distrito de Nova York; e a ativista e deputada estadual Summer Lee derrotou o moderado Steve Irwin e será o nome democrata para concorrer a uma cadeira na Câmara dos Representantes pelo 12º Distrito da Pensilvânia. Outros nomes como Rashida Tlaib, Cori Bush e Jamaal Bowman irão concorrer à reeleição. O Squad possivelmente irá aumentar esse ano, e Biden precisará estar preparado para negociar uma coalizão democrata mais à esquerda dessa vez.

A expectativa é que a unidade intrapartidária continue forte até o final do mandato. Em 2020, ela serviu para derrotar Trump. Na convenção do partido, Bernie Sanders destacou que a diferença entre os setores democratas não poderia ser maior que a necessidade de derrotar o autoritarismo que tinha se enraizado nos Estados Unidos. No período 2021-2022, o partido se uniu para que Biden pudesse avançar sua agenda (negociada entre os setores do partido, é claro) a partir de uma maioria pequena. Nesse sentido, com uma possível perda de cadeiras e uma oposição ainda mais radicalizada, a inclinação para uma nova coalizão – inclusive em caráter de resistência – é maior.

Direcionamentos

Além da busca pela unidade, Biden e o Partido Democrata possuem duas alternativas para tentar reverter os resultados das eleições em novembro. A primeira, usada nas eleições de 2020, é chamar votos. Como o voto não é obrigatório nos Estados Unidos, os partidos precisam mobilizar sua base para que compareçam no dia nas urnas. Logo, caso Biden consiga repetir o feito de 2020, levando os jovens e as minorias a participar das eleições, os resultados podem ser diferentes, uma vez que esses grupos possuem uma preferência maior pelos democratas. A segunda estratégia – conectada com a primeira – é colocar em pauta questões do cotidiano que mobilizem os eleitores contra posições tradicionais do Partido Republicano, como o direito reprodutivo das mulheres e o controle das armas. Assim, pode ser possível desenvolver uma plataforma que dialogue com aqueles que podem mudar o resultado em novembro, caso tenham motivações suficientes para fazê-lo. A questão que fica é: haverá tempo até lá?


*Revisão: Marcela Franzoni

** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI), do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI/UNESP).