Crédito da ilustração: Valor Econômico

O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, visitou Kiribati, Samoa, Ilhas Fiji, Tonga, Papua Nova Guiné, Vanuatu, Ilhas Salomão e Timor Leste, de 25 de maio a 3 de junho, para apresentar proposta de acordo multilateral com Pequim. A iniciativa inédita inclui oferta de fluxos comerciais e investimentos, atividades conjuntas para minorar efeitos do aquecimento global e cooperação em políticas públicas e cibersegurança. Os países visitados não chegaram a consensos sobre as propostas chinesas, mas mantiveram abertas as possibilidades de ampliar relações diplomáticas, por vias bilaterais, nos tópicos propostos pela China.

A movimentação chinesa gerou forte apreensão dos EUA e de seus aliados regionais, Austrália e Nova Zelândia. Alguns países estão nas proximidades de territórios americanos e do Havaí e circundam os territórios australianos e neozelandeses.

Camberra e Wellington entendem que Pequim estaria avançando de forma sutil na ampliação de relações militares e instalação de bases militares na região, com mecanismos de cooperação, treinamento e fornecimento de equipamentos para polícias de Papua Nova Guiné, Fiji, Samoa, Vanuatu e Ilhas Cook. Mesmo que a China negue oficialmente interesses em militarizar, a Austrália acredita que Pequim estaria arquitetando planos estratégicos capazes de isolá-la regionalmente.

As preocupações geopolíticas dos EUA na Oceania são históricas e foram ampliadas com o ataque do Japão a Pearl Harbor em 1941. Apesar da herança negativa dos testes nucleares na região, a Casa Branca consolidou sua presença diplomática na Guerra Fria, caso dos acordos nos anos 1980 com o Kiribati, com apoio em troca do compromisso de não permitir o uso do território por potências estrangeiras, ou seja, a União Soviética.

Países como Micronésia, Palau e Ilhas Marshall firmaram acordos de livre associação, uma espécie de tutela em que países adotam o dólar e delegam aos EUA suas estratégias de diplomacia e segurança. E a estabilidade da região era resguardada pela influência regional da Austrália.

No final de 2021 o acordo de segurança entre a China e as Ilhas Salomão deu início a um processo visto como questionamento desse quadro e gerou diversas críticas. Comunicado conjunto dos EUA com a Nova Zelândia, no encontro de Biden com a primeira ministra Jacinda Ardern, em 31 de maio, manifestou preocupação com a suposta militarização regional do Indo-Pacífico pela China, tida como incompatível com os valores democráticos que defendem.

A Oceania tem peso geopolítico estratégico para a diplomacia chinesa. Além de rotas de comércio que passam pelos mares territoriais dos países da Oceania, Pequim tem interesse em instalar cabos submarinos de conexão de internet para ampliar os serviços de 5G da Huawei, o que EUA e Austrália afirmam envolver riscos de espionagem. E a China quer também reverter o reconhecimento de Taiwan por muitos destes países.

Os países da Oceania querem aproveitar a possibilidade de barganhar apoio de potências mundiais, mas evitando movimentos bruscos. Pequim aproveita o descontentamento na região com a saída dos EUA do Acordo de Paris, no governo Trump, entendida como desinteresse pelos apelos contra o aumento do nível do mar. E apontam pouco empenho da Austrália em reduzir o uso de carvão mineral, principal item de sua matriz energética, além de restrições migratórias contra seus cidadãos.

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Autoridades de Timor Leste disseram recentemente que os EUA tinham se esquecido da região e que Pequim havia se tornado uma alternativa para o desenvolvimento econômico regional. Desde a visita de Xi Jinping às Ilhas Fiji em 2014, os chineses têm buscado parcerias na região por meio de linhas de créditos e investimentos em setores econômicos.

O governo Biden entende que a estratégia para o Indo-Pacífico possa revigorar a posição dos EUA ao destacar temas ambientais, comerciais e auxílio humanitário. A ênfase no Indo-Pacífico é vista como caminho para isolar a China por meios não militares, reduzindo reticências de parceiros regionais a seguir medidas contra Pequim.

No último encontro do agrupamento Quad (24/5), EUA, Austrália, Japão e Índia prometeram reforçar parcerias com as ilhas do Pacífico em áreas como segurança, meio ambiente e infraestrutura. Houve menção de apoio à única iniciativa de integração regional da Oceania, o Fórum das Ilhas do Pacífico, em dificuldades inclusive pelas diferentes visões sobre como reagir ao crescente interesse das grandes potências. E foi anunciado um mecanismo de fiscalização do respeito aos mares territoriais em questões de pesca, utilizando a inteligência dos países do Quad, para constranger a China com acusações de desrespeito à soberania dos países.

Os EUA tentam promover o Indo-Pacific Economic Framework na Oceania, plano ainda em elaboração em Washington e que pretende reavivar propostas da Parceria Transpacífica (TPP). Inclui-se aí a harmonização de regras ambientais, comerciais e virtuais, mas sem provocar reações domésticas adversas pelas implicações trabalhistas, tema muito sensível nas eleições legislativas americanas que se aproximam. Washington enviou o secretário de Estado Antony Blinken (12/2/2022) às Ilhas Fiji e prometeu incluir o país na iniciativa econômica, apesar de Washington ter criticado, desde 2006, o golpe militar que levou o atual primeiro ministro ao governo. E os EUA prometem estabelecer novos postos diplomáticos na região, dado que Washington mantinha a embaixada nas Ilhas Fiji como responsável pelas relações com outros países.

Biden conta também com as promessas do recém-eleito governo trabalhista da Austrália de ampliar seus esforços na região. A ideia é melhorar a imagem australiana em seu entorno. Havia desconforto na região com o governo anterior, de Scott Morrison, que mantinha em seus quadros personalidades controversas – caso do ex-ministro da Defesa e atualmente liderança da oposição, Peter Dutton, que em 2015 fez piada sobre o aumento do nível do mar.


*Revisão: Stella Bonifácio da Silva Azeredo

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI), do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI/UNESP).

*** Este artigo foi publicado anteriormente pelo jornal Valor Econômico