Fonte: Alexandria Ocasio-Cortez

Um dia após discursar na 78ª Assembleia Geral da ONU sobre, entre muitas questões, a gravidade da crise climática, o presidente democrata Joe Biden anunciou o lançamento do programa American Climate Corps (Corpo Americano para o Clima, em tradução literal), que objetiva mobilizar cerca de 20.000 norte-americanos, com foco na juventude. De acordo com o anúncio público feito pela Casa Branca haverá treinamentos remunerados para um mercado de economia verde, “na conservação e restauração de nossas terras e águas, fortalecendo a resiliência das comunidades, implantando energia limpa, implementando tecnologias energéticas eficientes e promovendo a justiça ambiental”. Esse objetivo se vincula à criação de empregos bem remunerados em energia limpa, bem como na promoção da “resiliência climática nos setores público e privado após a conclusão de seu programa de treinamento remunerado”.  O programa se baseia no Civilian Conservation Corps (1933/1942), lançado durante o New Deal de Franklin D. Roosevelt, que tinha como objetivo conservar os recursos naturais dos EUA e proporcionar treinamento profissional a jovens adultos com idades entre 17 e 23 anos. Os participantes do programa foram responsáveis por construir parques, realizar o plantio de florestas e criar infraestrutura para combater incêndios em áreas de preservação.

O American Climate Corps é um reflexo do discurso de Biden sobre geração de empregos verdes que tem sido feito desde as eleições presidenciais em 2020. Esse elemento estava presente no seu American Jobs Plan, depois convertido em legislação com o nome de Infrastructure Investment and Jobs Act, bem menos ambicioso do que o apresentado pelo democrata inicialmente.  O plano inicial propunha um investimento significativo de cerca de US$ 2 trilhões para impulsionar a economia e criar empregos nos Estados Unidos. Metade desse montante, ou seja, US$ 1 trilhão, estava planejada para ser direcionada a setores relacionados a desafios climáticos e equidade ambiental. A lei aprovada, entretanto, dispôs de US$ 1,2 trilhão de investimentos ao longo de 10 anos, quase a metade do esperado.

As ações de Biden para o clima remetem a muitos aspectos presentes na agenda do Green New Deal defendida por setores progressistas do Partido Democrata. Na famosa Resolução 109, apresentada pela deputada democrata-socialista Alexandria Ocasio-Cortez, há defesa de investimentos massivos em transição energética e geração de empregos verdes que leve à transição da indústria poluente para uma economia sustentável, sem deixar seus trabalhadores desamparados. O Climate Corps trabalha justamente nesse objetivo: preparar novas gerações para um novo modelo de desenvolvimento nos EUA. Além disso, os pacotes de investimentos para o clima aprovados no último período, como o Inflation Reduction Act e o já mencionado Infrastructure Investment and Jobs Act, também fazem um aceno a esses setores por alocar no Estado boa parte das funções de coordenação dos esforços climáticos no país.

A adoção de uma agenda mais ambiciosa para o clima pela gestão federal democrata, além de refletir a gravidade da crise que se acentua cada vez mais, também é um indicador do crescimento dos democratas progressistas e do resgate das raízes rooseveltianas promovido por esses grupos. O Partido Democrata, que por muitos anos foi influenciado por uma orientação política mais moderada e, em muitos aspectos, alinhada ao neoliberalismo, está atualmente enfrentando um período de transformação ideológica substancial. Esse movimento foi catalisado em grande parte pela candidatura de Bernie Sanders nas eleições primárias de 2016 e 2020, que evidenciou a existência de uma nova e vigorosa geração de democratas progressistas, buscando redefinir as prioridades do partido. Esses grupos percebem a crise climática como uma ameaça urgente e inegável que requer ação imediata e enérgica. Eles propõem políticas e investimentos significativos para a transição energética, a criação de empregos sustentáveis e a promoção da justiça climática. Essa abordagem, portanto, representa uma ruptura com a postura moderada anterior, que muitas vezes buscava equilibrar ação climática com interesses econômicos e corporativos. A agenda se traduziu no próprio Green New Deal, que nas prévias democratas de 2020 foi adotado totalmente ou parcialmente por quase todos os principais pré-candidatos, incluindo Biden, mostrando o espaço que essas propostas ganharam no partido em tempos recentes.

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O papel de Biden na disputa de interesses ambientais

Biden, ao longo de sua carreira política, tem sido identificado como um democrata moderado, muitas vezes associado à chamada “ala centrista” do partido. Essa posição se reflete em sua abordagem pragmática e em sua busca por compromissos bipartidários que têm marcado de sua carreira. No entanto, em um cenário político em constante evolução, Biden se encontra atualmente em um delicado equilíbrio entre atender às demandas dos progressistas e manter a coesão da coalizão democrata. O presidente já implementou várias medidas ousadas, incluindo investimentos significativos em infraestrutura e planos ambiciosos para combater as mudanças climáticas. O lançamento do American Climate Corps é um exemplo disso, direcionando foco e recursos para a juventude e a questão climática, em linha com as demandas dos progressistas. No entanto, enfrentou desafios para avançar com medidas mais ambiciosas, especialmente quando se trata de questões como saúde, sistema tributário e justiça social. Para aprovar o Inflation Reduction Act, que a princípio se chamaria Build Back Better Act, por exemplo, o presidente teve que negociar arduamente com Joe Manchin, senador democrata ligado à ala mais conservadora do partido e próximo ao lobby do petróleo. Assim, precisou enxugar as metas e o orçamento do projeto para conseguir sua aprovação no Senado. Ao mesmo tempo, Biden vem adotando um discurso favorável ao Green New Deal e negociando pontos estratégicos de sua política para o clima com figuras como Bernie Sanders e Ed Markey. Markey, inclusive, foi o precursor do American Climate Corps ao apresentar o projeto em 2021 com o nome de Civilian Climate Corps for Jobs and Justice Act. A partir disso mobilizou grupos de ambientalistas, como o Sunrise Movement, em pressões constantes para sua aplicação em nível federal. Essa capacidade de navegar entre diferentes alas do partido, como sublinhamos, é uma característica que Biden desenvolveu ao longo de sua carreira política. Nesse sentido, busca construir uma coalizão ampla, incorporando elementos progressistas, mas mantendo uma postura que possa atrair os eleitores moderados. Já nas eleições presidenciais de 2020 essa estratégia foi crucial para sua vitória sobre o republicano Donald Trump.

 O papel de Biden e a dinâmica atual dentro do Partido Democrata terão um impacto significativo nas eleições que se aproximam em 2024. A forma como o atual  presidente consegue unir as diferentes facções do partido e mobilizar os eleitores, especialmente os progressistas, será fundamental para sua performance eleitoral, agora que já sinalizou sua candidatura para reeleição. Entretanto, Biden também precisa equilibrar suas políticas para atrair eleitores moderados e independentes, que muitas vezes são fundamentais nas eleições presidenciais nos Estados Unidos. O desafio principal é unir políticas de recuperação econômica com uma agenda ambiental em disputa. Tal demanda se mostra especialmente complexa diante das tendências políticas atuais nos EUA. A polarização tem se acentuado, e o eleitorado está cada vez mais fragmentado em linhas ideológicas. Biden precisa costurar uma mensagem e uma plataforma que ressoem em uma ampla variedade de eleitores, unindo as diferentes alas do Partido Democrata enquanto apela aos eleitores independentes e descontentes.


*Revisão: Rafael Seabra

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI), do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI/UNESP).