Apesar das controversas medidas da administração Trump, dos ruídos e polêmicas cotidianas que cercam a Casa Branca, a maior parte dos analistas ainda não considera provável que o presidente sofra um impeachment. Mesmo assim, tem sido cada vez mais comum pensar em variáveis que eventualmente poderiam afetar a estabilidade do presidente, fazendo com que se elevassem as pressões no sentido de que ele deixasse o cargo antes do fim do mandato.

De acordo com a Constituição dos Estados Unidos, um presidente só pode ser removido do cargo por impeachment após ser considerado culpado por “traição, suborno, ou outros delitos graves e ilegalidades”.  O julgamento é eminentemente político e depende de aprovação por maioria simples na Câmara dos Representantes e maioria qualificada (2/3) no Senado.

Diante disso, há, nesse momento, pelo menos três razões-chave para acreditarmos que Trump não será removido do cargo por meio de um impeachment. Em primeiro lugar, ele possui o apoio da maioria republicana no Congresso, o que, do ponto de vista político, dificultaria a tramitação de qualquer processo de investigação contra ele. Além disso, apesar de não ter sido o candidato do establishment ao longo da corrida eleitoral, hoje Trump simboliza a retomada republicana da Casa Branca, o que convém ao partido.

Muito embora a polarização política nos Estados Unidos seja intensa e os conflitos com a mídia transmitam a ideia de que o presidente governa sem apoio, isso não é verdade. Apesar das ainda baixas taxas de aprovação popular, Trump abriu o ano com o apoio de 87% dos republicanos, além da maioria nas duas casas legislativas – no Senado são 51 (R) versus 47 (D); na Câmara dos Representantes são 238 (R) versus 193 (D).

Vale mencionar que em mais de 90% dos temas, os republicanos do Congresso têm votado em linha com a posição do presidente. Ademais, embora o judiciário não se envolva diretamente em processos de impeachment, do ponto de vista político é relevante citar que, ao indicar Neil Gorsuch para a Suprema Corte, em abril de 2017, e Brett Kavanaugh, em julho de 2018, Trump conseguiu fazer com que o balanço no judiciário passasse a favorecer os interesses republicanos.

Tendo isso em vista, para manter a governabilidade e evitar a tramitação de um eventual pedido de impeachment, o presidente Trump precisaria apenas manter a maioria de congressistas republicanos nas eleições de meio de mandato, que ocorrem em novembro de 2018. Caso os democratas consigam derrotar o Partido Republicano (o GOP, Grand Old Party) particularmente nos cinco estados mais populosos em que Hillary Clinton teve expressivo número de votos – California, Illinois, New Jersey, New York e Virginia -, haverá motivos para elevação da preocupação do lado republicano, já que a perda de controle de uma ou das duas casas legislativas faz com que a instabilidade para os dois últimos anos de governo se torne considerável e o risco de pressões aumente acentuadamente.

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Além da falta de apoio no Congresso per se, uma eventual derrota legislativa poderia afetar a capacidade de avançar com a agenda do governo, incluindo nomeações que dependam de aprovação legislativa, além de repercutir sobre a percepção do establishment do Partido Republicano em relação ao apoio dado ao presidente. Caso uma retração no Legislativo seja interpretada como rejeição ao governo Trump pelo eleitorado em geral, é possível que algumas lideranças do partido passem a antagonizar o presidente e sua agenda, a fim de minimizar perdas políticas individuais/partidárias no futuro.

A segunda razão para acreditarmos, até o momento, que o presidente Trump não será removido do cargo por meio de um impeachment, tem a ver com as boas condições da economia norte-americana, que favorecem a continuidade da gestão e contribuem para moderar dissidências dentro do partido e também na voz das ruas. A taxa de desemprego é de apenas 4,1% e a renda média subiu 2,9% em 2017.  Esses índices, aliados ao plano tributário divulgado no fim de 2017, contribuem diretamente para satisfazer os interesses pró-business mais ligados à Washington e para acomodar as demandas de parte significativa da classe média. É claro que há efeitos colaterais relacionados à política econômica dessa gestão, que incluem a dificuldade de gerir o orçamento e fechar as contas do governo e o protecionismo crescente, que poderiam afetar a confiança dos mercados e a competitividade norte-americana, minando o apoio de Trump entre empresários e lideranças políticas – ainda assim, esses ainda não são movimentos expressivos até agora.

Em terceiro lugar, finalmente, é fundamental considerar que não há provas, até o momento, que liguem o presidente Trump a nenhum crime efetivo. Embora ele e diversos membros de sua família e de seu gabinete sejam investigados por obstrução de justiça no que concerne à possível interferência russa durante as eleições de 2016, os indícios não são conclusivos. Vale mencionar, inclusive, que documentos apresentados ao longo dos últimos dois anos na Câmara dos Representantes chegaram a acusar o FBI e os líderes do Departamento de Justiça de abusar de seus poderes de vigilância para investigar conselheiros de campanha nessa investigação. Neste caso, sublinhamos uma força-motriz jurídica importante para que o cenário se invertesse: seria preciso que surgisse, no âmbito da investigação do FBI ou do FISA, um escândalo que revelasse novas informações, provas ou indícios que ligassem o presidente a crimes ou atividades ilegais.

Estes pontos ilustram as condições mínimas necessárias para que Trump mantenha-se no poder. Com o check-list na mão, a lição de casa, agora, é acompanhar as variáveis e farejar movimentos que nos levem a eventuais cenários alternativos.