Monica de Bolle

Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University.
Artigo publicado na revista Exame Hoje, de 24 de fevereiro de 2017.


Difícil que haja novamente momento tão oportuno quanto o atual para que finalmente se avance em tema para lá de relevante, mas, ao mesmo tempo, tão mal articulado ao longo das últimas décadas: a integração comercial e econômica da América Latina. Enquanto Donald Trump faz o que pode para alienar o México e para reduzir as chances de uma renegociação construtiva do NAFTA, o acordo entre Canadá, EUA e México firmado em 1994, deveriam os principais blocos latino-americanos estar se articulando para alavancar uma agenda de integração ambiciosa. Não é isso o que se vê até o momento.

A América Latina é pródiga em acordos de integração: há uniões aduaneiras (Mercado Comum da América Central, Comunidade do Caribe, Comunidade Andina, Mercosul, Aliança do Pacífico); há acordos preferenciais de comércio, ao menos 30 acordos de livre comércio e diversos outros em andamento. Contudo, a região permanece isolada de si. Os países que formam a Aliança do Pacífico (México, Chile, Peru, Colômbia) e o Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai – deixando de lado a Venezuela estraçalhada) quase não têm comércio uns com os outros. No caso do Brasil, as exportações para o Mercosul como proporção das exportações totais caiu cerca de 36% entre meados dos anos 90 e 2015; as exportações para os países da Aliança do pacífico aumentaram apenas levemente, 1,2%, nesse mesmo período. Já para a China, hoje exportamos cerca de 8 vezes mais do que o fazíamos em meados dos anos 90 – a pauta é dominada por produtos primários e commodities industriais, não por produtos manufaturados, que poderíamos estar exportando mais para o restante da América Latina. Apesar de termos firmado vários acordos com países da Aliança do Pacífico nos últimos anos, a densidade comercial permanece muito baixa entre nós e parte relevante da região.

Nesse momento em que o México preocupa-se em diversificar ainda mais seus laços comerciais diante da ameaça americana – ainda que haja uma renegociação razoável do NAFTA, autoridades mexicanas já sinalizaram a intenção de diminuir a dependência dos EUA na medida do possível – o timing é especialmente auspicioso para que se avance nas discussões sobre a ampliação do acordo Brasil-México conhecido como ACE-53, vigente desde maio de 2003. Sem que as duas maiores economia da América Latina tomem as rédeas do processo de integração, difícil será ver qualquer avanço nessa área. O resultado é que corremos o risco de perder mais uma oportunidade.

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Em paralelo, deveria estar o Brasil preocupado em inserir-se nas discussões sobre os grandes acordos multirregionais. Agora que os EUA parecem ter abandonado de vez o Acordo Trans-Pacífico (TPP) – Trump assinou decreto que retirou os EUA do TPP em sua primeira semana como presidente, contudo, alguns ainda veem chances de resgate mais à frente – as discussões tomarão rumo interessante com a participação da China, que não integrava o TPP em sua formulação original. Haverá em março reunião no Chile entre membros e não-membros do TPP – China e Colômbia lá estarão, entre outros. Contudo, o Brasil parece não ter se dado conta da importância de participar desse encontro, mesmo que seja como mero observador das discussões. Nada se diz sobre a reformulação da política externa brasileira, pouco se sabe a respeito do posicionamento do governo nesse tema. Muito se fala sobre a grande oportunidade para o Brasil agora que o TPP deixou de ser iminente com a decisão dos EUA. O argumento é estranho, já que de nada participamos com voz ativa.

A falta de preocupação do Brasil em participar – para não dizer, liderar – as discussões sobre integração regional, passando maior atenção ao debate sobre o TPP é bem ilustrada por aquilo que os números revelam sobre nós. Que o Brasil é um dos países mais fechados para o comércio, sabemos há tempos. Mas, para além disso, há nossa própria atitude em relação à facilitação do comércio e do investimento. Parece ainda não haver entendimento no Brasil de que, hoje, as discussões sobre integração comercial não se resumem ao acesso a novos mercados, mas à harmonização regulatória, às regras que facilitem a inserção nas cadeias globais de valor, ao comércio eletrônico, e à propriedade intelectual, para citar apenas alguns temas. A falta de compreensão sobre a importância desses assuntos está bem revelada no índice de facilitação do comércio elaborado pelo World Economic Forum. Em 2016, entre os 136 países analisados, ocupamos a 110ª posição, ou seja, o ambiente brasileiro para o comércio é incrivelmente hostil. Enquanto amargamos tal classificação – a Argentina ligeiramente melhor do que nós na 94ª posição – o México ocupa a 51ª posição, o Peru a 54ª, a Colômbia a 85ª, e o Chile a 21ª.

Será que vamos tomar alguma atitude, ou continuaremos parados no Século XX, desperdiçando todas as oportunidades que hoje surgem como maná dos céus graças ao protecionismo de Trump?