O México está no centro do debate eleitoral dos Estados Unidos. No último dia 30, o candidato republicano, Donald Trump, atendeu ao convite do presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, e visitou o país. No mínimo, o convite soou contraditório, já que o marco da campanha de Trump tem sido a intolerância contra os imigrantes estrangeiros residentes nos EUA, os quais são compostos em grande parte por mexicanos. Ex-presidentes do México e oficiais de Estado já saíram em defesa do país, tendo inclusive Peña Nieto tecido paralelos entre Trump e o regime nazista alemão. Isso porque o candidato estadunidense afirmou durante a campanha que os mexicanos levam “drogas e crime” para os EUA, além de que os imigrantes roubam os empregos dos norte-americanos. Na sua visão, estaria então justificada a necessidade de construir um muro fronteiriço entre os dois países.

Na entrevista coletiva após o encontro, Peña Nieto tentou justificar a visita em meio a uma enxurrada de críticas domésticas. Afirmou que convidou os dois candidatos à presidência dos EUA, Donald Trump e Hillary Clinton, para um “diálogo aberto e construtivo” a respeito das oportunidades e dos desafios dos dois países. O foco, contudo, foi a proposta de Trump de construir o muro na fronteira sul dos EUA, e mais do que isso, quem pagaria por ele. No encontro, Trump confirmou ter havido discussões a respeito da construção dos 3.200km, apesar de não haverem discutido quem de fato pagaria por ele.

Contudo, no seu último discurso, em Arizona, no dia 31, Donald Trump enfaticamente afirmou: “Vamos construir um grande muro na fronteira sul e o México pagará por ele, cem por cento. Eles ainda não sabem disso, mas pagarão por ele”. Ademais, Trump afirmou acreditar que o México “trabalharia com os EUA” nesta questão, “especialmente depois de encontrar o seu maravilhoso presidente”. No mesmo dia, Peña Nieto se manifestou em uma rede social dizendo que “já no início da conversa deixara claro que o México não pagaria pelo muro”. O discurso de Donald Trump objetivava apresentar as suas medidas que dizem respeito à imigração, nas quais incluem o incremento do uso da tecnologia militar na fronteira sul dos EUA, a construção do muro e a deportação em massa de imigrantes.

Os discursos do candidato norte-americano e do presidente do México mostram-se claramente contraditórios. Ademais das dúvidas lançadas sobre o que de fato havia sido discutido e se algo havia sido acordado, está pouco claro para a opinião pública mexicana a racionalidade do convite de Peña Nieto. É sabido que seu nível de popularidade está baixo e que a conjuntura econômica doméstica mexicana e internacional não se mostram favoráveis. Contudo, ter convidado Trump a Los Pinos parece ter agravado ainda mais a aprovação pública do presidente, não surtindo os efeitos que ele esperava.

No fundo, o que Peña Nieto esperava?

Por um lado, as eleições nos EUA são uma ameaça para o México. Por mais que em outros momentos históricos o país também não tenha sido apontado como prioridade para a política externa norte-americana, a possibilidade de vitória de Donald Trump poderia piorar este cenário. As relações bilaterais poderiam sofrer uma forte concentração temática na área de segurança, sendo o México apontado como uma fonte de instabilidade para a segurança nacional dos EUA. A dimensão comercial, tão cara para o México devido a sua grande dependência econômico-financeira, perderia espaço, inclusive podendo sofrer retrocessos se de fato Trump rumasse para a “nacionalização” da economia estadunidense. Este seria o pior dos cenários para o México, que mantém seus interesses econômicos e mais de 80% das suas exportações voltadas para o vizinho do Norte.

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Por outro lado, Enrique Peña Nieto parece ter identificado esta ameaça e buscou se antecipar de alguma forma, promovendo um diálogo formal. Contudo, o discurso feito por Trump no dia seguinte evidenciou que há pouco espaço para debate, pouco espaço para discussões de questões comuns e relacionadas ao desenvolvimento econômico conjunto. Assim como as eleições nos EUA são uma ameaça de várias frentes para o México, o que Trump vem buscando é construir seu discurso de forma que o vizinho do Sul também seja percebido como uma ameaça ao eleitorado estadunidense, o que justificaria o fechamento das fronteiras e as medidas extremas.
Durante a coletiva, Enrique Peña Nieto fez questão de enfatizar que parte importante dos fluxos migratórios que chegam aos Estados Unidos utilizam o México como passagem e são compostos majoritariamente por cidadãos da América Central. O fato é que independentemente da origem, a questão migratória vem sendo “securitizada” por Donald Trump, trabalhando-a de forma completamente descolada da realidade social e econômica dos países da América Central e do próprio México. O discurso ofensivo de Trump já traz reflexos diretos sobre a sua popularidade em meio às comunidades hispânicas, tendo o candidato apenas 19% de apoio, contra 67% de Hillary Clinton.

Se Peña Nieto esperava abrir frentes de diálogo, sua atitude foi muito mal recebida pela população mexicana, ainda mais depois do discurso de Trump no Arizona. Parece claro, portanto, que algumas promessas de campanha são inegociáveis para o candidato, apresentando poucas perspectivas para o debate. Alguns colunistas chegaram a afirmar que dadas as proporções ofensivas e preconceituosas de Trump, a atitude de Peña Nieto de tentar “moderar” tornou-se “contraproducente” e “desnecessária”. No fundo, as chances reais de Trump tornar-se presidente dos Estados Unidos representa um pesadelo para o México, justamente por sua política externa estar em um momento de maior aproximação com a grande potência, ainda sob o comando de Barack Obama. Se nos últimos anos observamos tendências para tentar diversificar a política externa mexicana para outras regiões, como na América Latina e na Ásia, as instabilidades sistêmicas atuais parecem levar o México novamente a apostar na proximidade com os EUA.

O discurso de Donald Trump e o convite a ele feito por Enrique Peña Nieto mostram dois países vizinhos e com fortes laços econômicos e sociais em total descompasso. No momento em que o México se reaproxima e aposta claramente na relação com os EUA, este se mostra significativamente fechado para os desafios e as possibilidades comuns. Com Donald Trump, o cenário é ainda mais dramático justamente por sua posição neoconservadora e as promessas de campanha extremas. Contudo, com Hillary Clinton, a possibilidade de uma aproximação progressista entre os países também é baixa. A recusa da candidata em visitar o México mostra como seu rol de preocupações é outro, principalmente a dinâmica interna estadunidense, na qual o México não aparece como participante.