África do Sul – NEAI – Núcleo de Estudos e Análises Internacionais https://neai-unesp.org Wed, 24 Nov 2021 01:23:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.2 https://neai-unesp.org/wp-content/uploads/2018/05/cropped-logo-neai-icone-32x32.png África do Sul – NEAI – Núcleo de Estudos e Análises Internacionais https://neai-unesp.org 32 32 O Status do BRICS 20 Anos Depois https://neai-unesp.org/o-status-do-brics-20-anos-depois/ Wed, 24 Nov 2021 01:16:12 +0000 https://neai-unesp.org/?p=6163 Crédito da Imagem: E-IR /Oleg Elkov

O dia 30 de novembro de 2021 marca o 20º aniversário do artigo que popularizou o acrônimo BRICS. Quando Jim O’Neill defendeu que “é o momento para que o mundo construa um BRICS economicamente global melhor”, ele se referia a Brasil, Rússia, Índia e China como dínamos do crescimento global na próxima década, destinos potenciais de investimentos internacionais e, como fator de pressão para expandir “o corpo-chave da coordenação da política econômica global”, o G-7. Contudo, duas décadas depois, O’Neill (Project Syndicate, 09/16/21) foi duro: “O contínuo fracasso do bloco em desenvolver políticas substantivas em seus encontros anuais, tornou-se cada vez mais evidente”. O’Neill destacou a baixa integração comercial, crescimento desigual, baixa assertividade frente à ordem internacional, ausência de coordenação no que diz respeito à questões prioritárias e uma oportunidade perdida para estabelecer acordos de cooperação estratégica. E questionou: “quando essa influência irá aparecer?”

Contudo, é possível avaliar a trajetória do BRICS de outra perspectiva: como uma iniciativa que reconhece as enormes diferenças entre seus membros e, que é desenvolvida de acordo com as possibilidades que destas resultam. Em setembro de 2021, o BRICS teve sua 13º Cúpula Anual consecutiva, quinze anos após o primeiro encontro dos membros originais – Brasil, Rússia, Índia e China, com a subsequente incorporação da África do Sul. Quase todas as cúpulas tiveram participação de países geograficamente próximos do anfitrião.

O BRICS formou diversos grupos de trabalho e promoveu centenas de encontros temáticos. Em 2014 foram criados o Arranjo Contingente de Reservas (ACR), para estimular liquidez em tempos de crise, e o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), que atualmente está negociando a adesão de Bangladesh, dos EAU e do Uruguai, para apoiar projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável. Hooijmaaijers defendeu que, enquanto a expansão por meio de grupos temáticos e encontros e a criação do NBD e do ARC fortalecem internamente o BRICS, a abertura para outros países e a integração do NBD na rede de instituições financeiras internacionais, reforçam internacionalmente essa institucionalização. O padrão de comportamento, a recorrência e constância das interações e o alcance das ações do grupo refletem sua resiliência.

Esses esforços podem parecer modestos para cinco países que representam aproximadamente 24% do PIB global. Contudo, esse número pode ser um pouco enganoso na medida em que metade do percentual se deve à China e que a taxa de crescimento é extremamente desigual: Brasil, Rússia e África do Sul geralmente desapontaram, enquanto China e Índia mantiveram altas taxas de crescimento do PIB, contradizendo o argumento original de O’Neill em 2001.  O comércio entre os cinco BRICS é mínimo, quando são excluídos os fluxos bilaterais com a China e medidas específicas de estímulo ao comércio intrabloco tem sido limitadas.[RS1]  Houve sérias divergências de opinião no que se refere a questões sensíveis da agenda internacional que envolveram um ou mais parceiros, como a anexação da Crimeia, além da hostilidade agressiva do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, em relação ao governo chinês e os violentos conflitos fronteiriços entre Índia e China.

Por que então esses países têm cúpulas anuais com as declarações relacionadas, um banco de desenvolvimento multilateral e grupos de trabalho? A análise da performance do BRICS deve começar por observar as características do grupo e suas intenções desde o encontro inicial em 2006 e pela adoção de uma identidade comum em 2008. O acrônimo original proposto por O’Neill foi endossado, mas segundo regras próprias, e não como um acordo de comércio e investimento ou como uma aliança formal. Buscava-se utilizar seu peso político e econômico, para explorar oportunidades criadas pelo G20 nas fissuras que surgiram como resultado da crise financeira de 2007-2008.

A extrema heterogeneidade dos cinco países, permitiu um arranjo completamente original. Percepções distintas do cenário global não limitam estratégias e iniciativas, mas sim refletem os limites dos interesses individuais de cada membro. Mesmo que os membros não considerem o acordo como uma prioridade em suas políticas externas, eles continuam a apoiá-lo. Os cinco países assinaram tanto acordos entre si como de modo independente do grupo – PREA (China, Japão, Austrália, Nova Zelândia e seis estados-membro da ASEAN), OCX, (China, Índia, e Rússia com Cazaquistão, Kyrcyz, Uzbequistão, Tajiquistão e  Paquistão) ZCLCA  (África do Sul e 35 Estados Membros da UA), IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), e UE – Mercosul (Brasil). A ausência de institucionalização formal permite avanços e recuos em diferentes temas e contextos, o que reduz o potencial de atritos e aumenta a resiliência

Temas estratégicos como saúde, educação, comércio e energia têm sido debatidos. Debates entre think tanks de cinco países apoiam a proposta de projetos de cooperação. O NBD reforça o discurso favorável ao multilateralismo reformado, no qual os países em desenvolvimento teriam maior participação, com tratamento igualitário e justo nas questões e peso nas decisões. No NBD a cooperação em infraestrutura e desenvolvimento sustentável são implementados e questões geopolíticas que geram atritos entre os membros foram abandonadas.  

Não é possível categorizar o BRICS como uma instituição internacional, regime ou organização. Defendemos a ideia de que o BRICS é um fenômeno dinâmico em processo: dinâmico porque é desenvolvido de acordo com as percepções de seus membros sobre o cenário mundial, sem definir as limitações em torno de estratégias e iniciativas de cada país-membro; em processo porque é desenvolvido por meio de processos específicos, nos quais cada membro não determina objetivos finais ou a institucionalização.

Coorper e Farroq defendem o BRICS como um clube informal para gerenciamento de tensões entre seus membros e promoção da cooperação em um tipo de multilateralismo novo e flexível. O número reduzido de membros permite debate de temas e interesses em comum. Tópicos sensíveis são evitados ou encaminhados de acordo com o protocolo. Para cada membro, o acordo reforça o status nos planos nacional e internacional. Os países são parte de um grupo seleto de representantes do Sul Global que compartilham de recursos exclusivos, como o status resultante da cooperação e recursos no NBD, o ARC como garantia, e exploração da natureza informal do BRICS para proteger interesses diversos.

Durante a pandemia da Covid-19, tanto a China como a Índia desenvolveram vacinas e foram os principais fornecedores de insumos para vacinas, outros medicamentos e equipamentos de proteção individual (EPI) no Brasil e África do Sul. Surgida em 2018 e retomada em 2020, dado o cenário pandêmico, a proposta de criar um centro de alerta de doenças e desenvolvimento de vacina não foi implementada.  Na Cúpula, o presidente Bolsonaro destacou a relevância dos insumos chineses para a produção de agentes imunizadores no Brasil, além da cooperação com a Índia. A declaração de Bolsonaro foi de encontro à agressiva política anti-China que buscou desde a campanha eleitoral.

Na Cúpula, o BRICS estabeleceu um Plano de Ação sobre Contraterrorismo, que foi questão particularmente relevante para a Índia, tendo em vista as mudanças no Afeganistão. O BRICS se posicionou na defesa do diálogo e diplomacia para resolução de conflitos e peace building, enquanto a Rússia e a China abriram canais de diálogo no sentido de influenciarem o novo governo. Com relação à demanda de Brasil e Índia por um assento no UNSC, China e Rússia apoiaram o discurso sobre a necessidade de estruturas de governança mais democráticas, mas sem o apoio formal e explícito necessário para trazer a questão ao debate.

A crítica de O’Neill teria mérito se o agrupamento do BRICS pretendesse ser um acordo comercial ou obter o reconhecimento do G7, mas isso não era o que eles pretendiam nem o que pretendem alcançar.


*Tradução: Rafael Seabra

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI), do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI/UNESP)

*** Este artigo foi originalmente publicado em E-IR

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BRICS: à espera de dias melhores https://neai-unesp.org/brics-a-espera-de-dias-melhores/ Wed, 13 Nov 2019 15:27:10 +0000 https://neai-unesp.org/?p=4306 Nos dias 13 e 14 deste mês de novembro, acontece a XI Cúpula do BRICS, reunindo os chefes de Estado e de Governo dos países que formam o grupo: Jair Bolsonaro (Brasil), Vladimir Putin (Rússia), Narendra Modi (Índia), Xi Jinping (China) e Cyril Ramaphosa (África do Sul). O tema geral do encontro é “Crescimento Econômico para um Futuro Inovador”, e o objetivo fixado pelo grupo, o “fortalecimento de cooperações em ciência, tecnologia e economia”.

As cúpulas do BRICS são sempre acontecimentos de grande relevância política e diplomática para as relações internacionais. As personalidades que se reúnem representam 42% da população mundial, 23% do PIB mundial, 30% do território mundial e 18% do comércio mundial. Além da expressividade dos números, é necessário considerar o que eles representam em diversidade étnica, linguística, religiosa e cultural. Em virtude da importância que cada um destes Estados tem em seus respectivos continentes, pode-se considerar que representam a maioria da humanidade em toda sua diversidade.

O BRICS começou a ganhar forma em 2006. A partir desse ano, os diplomatas dos quatro primeiros começaram a se articular para atuarem em bloco nos diferentes fóruns multilaterais. E, no ano de 2009, o grupo se formalizou com as reuniões de chefes de Estado e de Governo. Desde então, as cúpulas têm sido regulares e sempre antecedidas pelas reuniões preparatórias de diplomatas e secretários.

Inicialmente, no Brasil, o grupo foi alvo de grande descrédito. A mídia brasileira, em especial, foi pródiga em afirmar a desnecessidade de reuniões de países que nada tinham em comum. Sempre procurando dar a entender que o grupo havia sido uma invenção de Jim O’Neil e que, por isso, pouco ou nada teriam a acrescentar, quando reunidos. Segundo o economista do Goldman Sachs, se as economias dos países que formam o grupo continuassem a crescer com os mesmos índices de então, esses países teriam peso decisivo no conjunto da economia mundial no futuro próximo.

O argumento mais usado pelos articulistas especializados em economia era que os países do grupo eram concorrentes. A heterogeneidade política e cultural, de um lado, e a falta de complementaridade econômica, de outro, inviabilizariam qualquer articulação que resultasse em benefícios mútuos. Evidentemente que essas avaliações negativas deram lugar a outra visão quando os países-membros decidiram criar, na Cúpula de Fortaleza, em 2014, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e o Arranjo Contingente de Reservas (ACR).

Diferentemente da mídia brasileira, os agentes do governo norte-americano e os formuladores de política dos diferentes think tanks daquele país viram, desde o início, a formação do grupo com grande preocupação. Os argumentos da mídia nada diziam a essas pessoas. Os critérios da mídia lhes eram completamente irrelevantes. O que lhes parecia muito preocupante era o impacto político que o grupo podia causar, em razão de seu grande potencial. Afinal de contas, o grupo reúne três potências nucleares (Rússia, China e Índia), dois membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Rússia e China), um fundador do Movimento dos Países Não-Alinhados (Índia), um país cujo líder maior é símbolo do antirracismo (África do Sul de Nelson Mandela) e, finalmente, um país que sempre estivera na linha de frente na luta em favor de uma ordem econômica internacional mais justa para com os países em desenvolvimento (Brasil). Cada qual uma liderança em seu respectivo continente.

A preocupação dos norte-americanos dizia respeito à motivação do grupo em trabalhar em favor de uma nova ordem internacional, reeditando em bases mais realistas e a cavaleiro de um significativo crescimento econômico a bandeira que fora levantada pelo Terceiro Mundo na década de 1970. Além do mais, a formalização do BRICS coincidia com a decisão do G20 Financeiro, organizado em 1999, de se transformar, justamente no ano de 2009, em grupo permanente, assumindo assim o lugar do G7 como coordenadores da governança econômica global.

Ao chegar à cúpula deste ano de 2019, observamos que muita coisa mudou em relação ao BRICS e, hoje, já não apresenta a unidade que tinha. A chegada ao poder do Partido do Povo Indiano, em 2014, produziu impacto no grupo. O BJP (Bharatiyana Janata) é um partido nacionalista hindu, defensor do liberalismo econômico, que apresenta dificuldades no relacionamento com a China e é tradicionalmente mais próximo dos Estados Unidos.

A África do Sul foi outro país-membro a se afogar em crise. Desde a eleição de 2014, o país se viu sacudido por persistente redução da atividade econômica, ao mesmo tempo em que sofreu forte instabilidade política decorrente das acusações de corrupção contra o presidente Jacob Zuma que, em 2018, foi deposto e substituído por seu vice Cyril Ramaphosa. A combinação de fraco desempenho econômico com agitação política resultou, como não podia deixar de ser, em acanhamento político e diplomático da África do Sul que, assim, chega um tanto enfraquecida à atual cúpula.

Por último, há a considerar o caso do Brasil. A eleição de Jair Bolsonaro mudou completamente a direção da política externa. Ainda que os vínculos econômicos que o Brasil mantém com a China sejam mais fortes do que com os Estados Unidos, a Chancelaria brasileira deu brusca guinada em direção ao país do norte. Fascinado pelo governo Trump, o governante brasileiro tem procurado seguir cegamente o que ele considera ser do agrado do presidente norte-americano. Como não se pode servir a dois senhores simultaneamente, as relações do Brasil com o BRICS esfriaram de forma considerável. Afinal, como se posicionar em favor de nova ordem internacional e, ao mesmo tempo, associar-se subservientemente àquele Estado que se considera o guardião da ordem internacional vigente?

Nada disso significa que o BRICS está ultrapassado. Com o passar do tempo, seus membros foram descobrindo e encontrando muitas oportunidades de cooperação, assim como as organizações da sociedade civil foram aproveitando para se conhecer e empreender interessantes processos de cooperação, particularmente na área da ciência e da tecnologia, envolvendo institutos e universidades.

O núcleo duro do BRICS, formado por Rússia e China, permanece firme em relação ao propósito inicial. Naturalmente, a atitude dos dois é a de ter paciência, manter o que já se conquistou e esperar que, no futuro próximo, mudanças políticas ocorram mais uma vez, para que o BRICS recupere seu importante papel de ator coletivo e defensor dos interesses dos países em desenvolvimento.


Williams Gonçalves é pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU) e professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM-EGN).

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