Pedro Frazão

Mestre (2016) e bacharel (2012) em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

 

A divulgação dos programas de vigilância cibernética global da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês) pelo seu ex-funcionário, Edward Snowden, não pegou de surpresa os atores envolvidos na arena cibernética. A vigilância e a espionagem não são fenômenos novos, sendo utilizadas como ferramenta de manutenção da ordem, aquisição de informações e controle social antes mesmo da concepção de um ciberespaço. Entretanto, o caso revelado por Snowden possui alguns aspectos ímpares no que diz respeito a estes fenômenos, nos mostrando, assim, que velhas ferramentas podem ganhar novas funções. Apresentamos aqui duas destas características que são peculiares no que tange à (ciber)segurança internacional contemporânea.

O primeiro ponto de destaque é a grandiosidade da vigilância que os programas da NSA alcançaram. Nunca antes observou-se tamanha capacidade de um ator internacional vigiar uma gama de dados tão ampla e que não se restringe a uma área específica, mas à grande parte do fluxo de dados do ciberespaço. Em um dos vazamentos de Snowden observou-se através de documentos do programa Boundless Informant (algo como Informante Ilimitado, em português) a aquisição de centenas de bilhões de metadados provenientes de diversos países aos quais seus agentes teriam acesso. A distinção entre os alvos também não é clara, indo de Estados aliados, como Brasil e Alemanha, a inimigos declarados, como Irã e Coreia do Norte.

Enquanto ferramenta fundamental para alcançar tal nível de vigilância, o ciberespaço parece ter dado novos músculos a este fenômeno antes administrado principalmente em nível local. Isto demonstra como a segurança atualmente opera continuamente em qualquer coisa que se mova, seja ela seres humanos, mercadorias ou informações em forma de dados digitais, como afirma Didier Bigo (2006). Mesmo com a NSA no centro do caso apresentado, perde-se a noção de fronteira, a segurança e a vigilância deixam de ser algo fixo, percorrendo todo o globo de forma fluida e com o objetivo do que Lyon (2014) chama de “antecipação”, ou seja, ambas se transformaram atualmente em um jogo de previsões refletido na vigilância aos moldes da NSA que surge com intenções claras de prever futuras ameaças à segurança nacional dos EUA e de seus aliados.

Outro aspecto dos programas da NSA é a presença de diversos atores que não apenas influenciam na vigilância cibernética global, mas fazem parte diretamente dela. Dentre estes, podemos citar dois atores cruciais além dos Estados: as empresas de tecnologia e os usuários. Ambos possuem ações distintas no processo, mas a finalidade de facilitar a aquisição de informações é semelhante. Enquanto as empresas recolhem e repassam à NSA dados privados e públicos de usuários, estes muitas vezes se mostram colaboradores ativos ao fornecerem tais dados.

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Como demonstram Bauman e Lyon (2013), o processo de vigilância e dominação parece estar hoje muito mais vinculado à sedução e à tentação, tendo como referenciais morais e éticos a lógica do agora, do consumo e do prazer, do que à velha imposição coercitiva e manipuladora. Os comportamentos esperados pelos que possuem o poder de vigilância são conseguidos voluntariamente, ao estilo “faça você mesmo”; afinal quem hoje em dia abdica de ter um smartphone de última geração que permite trabalhar em qualquer lugar 24h por dia, além de tornar mais fácil a sua localização? Quem não irá ceder dados e informações a empresas que oferecem serviços no meio cibernético como Google, Facebook, Microsoft e Apple? Quem deixará de postar seu cotidiano em redes sociais a fim de ganhar “curtidas”? Parece haver, assim, uma intencionalidade de empresas e instituições para demonstrar que o “preço” pago em troca do aparente prazer advindo do uso desses serviços é baixo, quando, na verdade, estamos cedendo parte de nossa própria privacidade.

Sendo assim, a revelação de Snowden de que estamos sendo constantemente monitorados pela NSA parece corroborar o estudo de Bauman e Lyon (2013), ao afirmarem que vigilância e disciplina são elementos chave para se pensar (ciber)segurança internacional atualmente. Em uma lógica de antecipação de possíveis ameaças, a segurança aparece intrinsecamente conectada à vigilância advinda da disciplina em sua forma contemporânea.

Referências

BAUMAN, Zygmunt; LYON, David. Vigilância líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2013.

BIGO, Didier. Globalized (in)security: the field and the ban-opticon. In: SAKAI, Naoki; Solomon, Jon (Orgs.). Traces 4: Translation, Biopolitics, Colonial Difference. Hong Kong: Hong Kong University Press, 2006.

LYON, David. Surveillance, Snowden, and Big Data: Capacities, consequences, critique. Big Data & Society, p. 1-13, jul–dez, 2014. Disponível em: <http://bds.sagepub.com/content/spbds/1/2/2053951714541861.full.pdf> Acesso em 30 dez 2015.