A crise humanitária que atingiu a Europa nos últimos anos tem apresentado cenas de horror e desespero nas áreas de fronteira. Homens, mulheres e crianças buscam de todas as formas possíveis chegar a um território seguro.

Setenta e uma pessoas mortas em um caminhão frigorífico na Áustria, outras 14 atropelados por um trem na Macedônia. Em Calais, no lado francês, as tentativas arriscadas de chegar à Inglaterra tornaram o Eurotunel o segundo lugar mais mortal para imigrantes na Europa. O Mar Mediterrâneo, por sua vez, permanece como a travessia mais perigosa: em 2015 foram contabilizadas mais de 3.771 mortes, um aumento de 12% com relação ao ano anterior, segundo dados oficiais da OIM.

Nesta busca pela sobrevivência e por melhores condições de vida entrecruzam-se os interesses de Estados e os desafios impostos pela chegada em massa de um número considerável de imigrantes. Apesar de estarmos tratando de cerca de 1 milhão de pessoas  apenas no ano de 2015 na Europa, a crise migratória que assola os países vizinhos à Síria, como Líbano, Turquia e Jordânia, que acolheram 3 milhões, é ainda mais complicada, especialmente quando comparamos as condições econômicas e sociais desses países de destino.

É inegável, no entanto, que em termos absolutos, a Europa esteja enfrentando sérios problemas, assistindo ao paulatino enfraquecimento de seu sistema de fronteiras livres intrabloco e esteja temerosa acerca de sua (in)capacidade de responder às demandas migratórias, ao mesmo tempo em que se vê diante de divergências culturais abruptas.

Os recentes ataques contra mulheres e os casos noticiados que ocorreram na Suécia e na Finlândia evidenciaram esse outro aspecto da relação entre hostland e imigrante, o choque entre duas culturas distintas que desrespeita moral e legalmente o modo de vida da sociedade de acolhida.

Como equilibrar os impasses que permeiam a adoção de políticas de proteção à pessoa humana com a acolhida de povos com costumes diferentes que em determinados momentos podem desrespeitar e seriamente afetar a cultura da sociedade de destino?

Acolher não e simplesmente abrir as fronteiras territoriais, mas oferecer possibilidades de integração na sociedade. Compartilhar valores, respeitar determinadas especificidades, cuidando, é claro, para que essas não representem uma aculturação. Os limites do que deve permanecer e do que deve ser abandonado em um processo de integração, entretanto, são complexos e bastante discutíveis. Não há verdades absolutas e cada caso deve ser tratado de forma singular. Como país acolhedor, esperamos que os que são de fora se adaptem a nossos valores e a nossa cultura. No entanto, a troca cultural também pode ser pensada como uma forma de integração.

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O ponto das diferenças é que é problemático. Até que ponto elas podem e/ou devem ser permitidas e aceitáveis, desde que não afetem o direito de terceiros e que não interfiram na legislação nacional?

Noruega tem proporcionado cursos sobre a cultural local para imigrantes e solicitantes de refúgio, o que possibilita uma inserção mais enfática, de modo a evitar episódios como os supracitados. A própria Alemanha tem um exemplo de sucesso. Pesquisas indicaram que o processo de absorção da cultura local, no que concerne ao abandono do machismo, obteve sucesso significativo no país nos últimos vinte anos, com os turcos e russos, por exemplo.

Inegavelmente, os crimes cometidos foram deveras alarmantes e por isso devem ser combatidos e os responsáveis punidos. O que não é aceitável é demonizar os imigrantes provenientes de países árabes e/ou países do Norte da África e sucumbir a uma perspectiva maniqueísta da realidade que define o mundo entre “civilizados” e “bárbaros”.

Muitos dos imigrantes que se encontram na Europa são vítimas da cultura machista que assola sua sociedade. Nós brasileiros, inclusive, somos vítimas dessa mesma cultura. Vale lembrar disso, especialmente no momento atual, quando nos tornamos país de destino para tantos imigrantes.

As generalizações são problemáticas, especialmente por serem injustas. O erro de alguns não pode representar um rechaço a todos que pertencem a sua nacionalidade e/ou cultura. Nesses tempos em que a cultura do medo é predominante, a construção de bodes expiatórios na figura de certos grupos de imigrantes serve a interesses políticos, especialmente em momentos de fragilidade econômica e de ineficiência estatal no trato com os desafios políticos, sociais e econômicos que se impõem.

Trata-se, então, da busca por empatia, quando a intolerância tenta a todo custo ocupar espaço. Trata-se de basear-se na busca por justiça e no cumprimento da lei, para que seja dado a Cesar, e apenas a ele, o que lhe é devido.