Por Shobhan Saxena

Jornalista correspondente em assuntos da América do Sul para o The Times of India

 

No sábado, 26 de setembro de 2015, o primeiro-ministro indiano Narendra Modi sediou um encontro importante do G-4 nas Nações Unidas em Nova York. Foi a primeira reunião entre Modi, a chanceler alemã Angela Merkel, a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, e o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, desde 2005, quando o processo de reforma do Conselho de Segurança da ONU foi desencadeado durante uma cúpula mundial. No encontro, o líder indiano ofereceu fortes argumentos para a inclusão dos quatro países no grupo das Nações Unidas. Dentre eles:

  • Vivemos em um mundo fundamentalmente diferente de quando a ONU nasceu; estamos diante de desafios complexos e indefinidos;
  • Embora nossas vidas estejam se tornando globalizadas, as discrepâncias entre nossas identidades culturais estão se tornando mais expostas;
  • O Conselho de Segurança da ONU (CSNU) deve incluir as maiores democracias do mundo;
  • A reforma do CSNU deve ocorrer em um período de tempo fixo, é tarefa urgente e importante.

Foi uma ironia o fato de a reunião para as reformas do CSNU, um dos principais assuntos na reunião deste ano, ter sido liderada pela Índia. Para saber o motivo, temos de voltar à história. Fale com qualquer indiano interessado em assuntos internacionais e ele vai contar como a Índia perdeu a chance em 1950 de se tornar um “grande potência” quando Jawaharlal Nehru, primeiro primeiro-ministro do país, “recusou uma oferta” para assumir um assento permanente no Conselho de Segurança, sugerindo que ele fosse oferecido à China.

Apesar de alguns especialistas considerarem isso apenas um rumor, Sashi Tharoor, um integrante do Parlamento indiano que trabalhou como Sub-Secretário Geral das Nações Unidas, escreveu em seu livro Nehru: The Invention of India que a Índia recusou a oferta do então secretário de Estado americano, John Foster Dulles, de apoiar “uma Doutrina Monroe indiana”. Segundo ele, Nehru havia sugerido que a cadeira até então ocupada por Taiwan fosse oferecida para a China alegando que Taiwan tinha “muito pouca credibilidade”.

Tharoor não é o único especialista que escreveu sobre este “rumor”. Em um artigo intitulado “Não às custas da China: Novas evidências em relação às propostas dos EUA a Nehru para a adesão ao Conselho de Segurança das Nações Unidas”, Anton Harder, do Wilson Center, escreveu que o líder indiano também recusou uma proposta similar da então URSS, feita pelo premiê soviético Nikolai Bulganin, em 1955, porque a proposição era apenas um “tentáculo para testar a Índia.” Mais tarde, oferta semelhante dos EUA foi rejeitada por ter sido entendida como um estratagema americano para impedir que a China, um país comunista, entrasse no Conselho de Segurança. “A determinação de Nehru refletiu a particular reverência e centralidade à ONU da sua política externa” escreveu Harder no artigo.

A chamada abordagem Nehruviana foi uma mistura de ideologia e pragmatismo. Na década de 1950, quando à Índia foi oferecido o assento do CSNU, o mundo estava nas garras da Guerra Fria e a Índia se esforçava para não ficar no fogo cruzado entre o Ocidente e o Oriente. Nehru não queria gastar os limitados recursos do país no campo da Defesa. Além disso, como um líder que acreditava na solidariedade asiática e na unidade das nações recém-independentes, Nehru queria que a China fosse aceita como membro da ONU. Viu a oferta de assento na ONU pelos americanos como uma maneira de criar um fosso entre as duas maiores nações na terra e dividi-los em dois campos da Guerra Fria.

Mas o mundo hoje não é nada parecido com o que era no período da Guerra Fria. A bonomia Índia-China terminou com uma breve mas amarga guerra de fronteira em 1962. E desde 1991, quando a União Soviética entrou em colapso, a Índia lentamente se afastou de sua abordagem Nehruviana sobre questões internacionais. Com sua economia em expansão e as relações estratégicas com o Ocidente se tornando mais importantes, a Índia tem buscado desempenhar papel mais importante no mundo dos negócios – a par com o seu vizinho, o maior parceiro comercial e o principal rival na Ásia: a China.

Para atingir esse objetivo, a Índia começou a reivindicar um assento no Conselho de Segurança no final dos anos 90. Quase todos os líderes mundiais – começando com o presidente dos Estados Unidos Bill Clinton em 1999, durante visita à Índia – deram declarações apoiando o caso da Índia. Para onde quer que os primeiros-ministros da Índia viajassem, até mesmo para Burkina Faso, uma declaração de apoio era extraída do país-anfitrião. Mas nenhum país fez nada de concreto para se certificar de que o CSNU refletisse a mudança da realidade global. Diante de seus esforços para sentar na mesa da ONU, a Índia ouviu apenas promessas vazias. Por isso, em 2004 Nova Deli finalmente buscou força nos números, fazendo causa comum com outros países que tinham ambições semelhantes. Nos últimos 10 anos, a Índia foi empurrando seu caso para um assento do CSNU junto com outras nações do G-4 e também por conta própria.

Até hoje o CSNU manteve-se um grupo fechado de países que ganharam a Segunda Guerra Mundial. Desde a cúpula sobre as reformas da ONU, em 2005, o P-5 tem apenas falado muito em prol da causa, mas na prática, reluta em aceitar novos membros.

Apesar deste obstáculo, o G-4 tem um caso com forte apelo. O Conselho de Segurança não reflete as realidades de hoje. A maior democracia do mundo, a Índia, não o integra, por exemplo. Hoje, em termos de PIB, tanto a Índia quanto o Brasil são quase tão grandes quanto a França e o Reino Unido e maiores do que a Rússia. São ambos muito maiores do que esses últimos três países em termos de população e paridade de poder aquisitivo. África e América Latina não estão representados no grupo dos cinco integrantes permanentes (P-5) do Conselho de Segurança. A maior economia da Europa, a Alemanha, não encontra lugar nele. O segundo país mais rico do mundo, o Japão, também está excluído do clube. Índia, Brasil, Alemanha e Japão são membros importantes da G-20. Índia e Brasil lideram diversos grupos multilaterais como BRICS, BASIC e IBAS, que expressam a necessidade de uma nova ordem mundial para enfrentar os desafios do século 21.

Com isto em mente, na reunião em Nova York, os líderes do G-4 sublinharam que mais do que nunca é necessário um Conselho de Segurança que seja representativo, legítimo e eficaz para lidar com os conflitos e crises globais que têm proliferado nos últimos anos. “Precisamos de um novo método de trabalho para resolver problemas. Isso faz com que a reforma do Conselho de Segurança seja necessária, uma reforma que reflita o poder real no mundo de forma melhor do que temos hoje “, disse Angela Merkel. Sem estas alterações, argumentam os líderes do G-4, o CSNU não tem a legitimidade de que precisa na atual situação internacional. Dilma Rousseff ressaltou que em 1945 existiam 51 Estados na Assembleia Geral das Nações Unidas e 11 no Conselho de Segurança. “Hoje, são 193 Estados e o Conselho de Segurança é composto por 15 membros, uma queda muito significativa no percentual de representação vis-à-vis a Assembleia Geral do Conselho”, disse Dilma na cúpula do G-4.

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Não são apenas os líderes do G-4 que argumentam que o Conselho de Segurança está desatualizado. Outros também levantam sérias questões sobre sua adequação para lidar com os problemas das mudanças climáticas, o terrorismo, o desenvolvimento econômico, o crescimento inclusivo, a não-proliferação nuclear, que exigem grande engajamento multilateral. “Apesar das mudanças dramáticas no sistema internacional ao longo dos últimos quarenta e cinco anos, a composição do CSNU manteve-se inalterada desde 1965, e há muitos que questionam quanto tempo a sua legitimidade vai durar sem membros adicionais que reflitam as realidades do século XXI”, escreveram Kara C. McDonald e Stewart M. Patrick, do Programa de Instituições Internacionais e Governança Global no Conselho de Relações Exteriores, em um estudo divulgado em 2010. Para eles, “há pouco consenso, no entanto, sobre como os países devem aderir ao Conselho de Segurança ou mesmo sobre a fórmula pela qual os aspirantes devem ser julgados”.

Apesar de o G-4 não incluir um país árabe, islâmico ou africano, seus integrantes acreditam que seu caso tem forte apelo. Todos eles defendem um novo assento permanente para cada um dos seus membros, bem como duas cadeiras para a África. Como esgotaram todos os argumentos em favor da expansão do CSNU, a questão é se o grupo é forte o suficiente para fazer o P-5 concordar com suas demandas. A evidência até agora sugere o contrário.

Diante da resistência à mudança a partir do P-5 e a oposição de seus rivais regionais – Paquistão no caso da Índia; Colômbia no caso do Brasil -, o G-4 já propôs um compromisso sobre o poder de veto: este seria suspenso por quinze anos ou mais para os países do grupo. Mas, apesar desse enorme compromisso, não houve muitas mudanças. Nos últimos 10 anos, houve alguns gestos positivos por parte de França e Reino Unido, mas os Estados Unidos se mantiveram praticamente em silêncio, preferindo expressar o apoio geral para a expansão do CSNU sem se comprometer com especificidades. A única exceção tem sido o apelo do presidente Barack Obama para que a Índia, única potência nuclear no G-4, se torne um membro permanente do Conselho de Segurança.

A grande indicação de que os países do G-4 não têm força suficiente para fazer o P-5 agir em relação a esta reivindicação sobre o Conselho de Segurança ficou evidente uma semana antes da reunião de Nova York, quando a Assembléia Geral aprovou um texto de negociação por consenso para as reformas. O documento preparou o palco para negociações sobre esta questão na 70ª sessão das Nações Unidas. No texto, os EUA disseram que estavam abertos a uma “expansão modesta dos membros”.

Esta posição mais recente de Washington representou uma volta atrás nas garantias oferecidas antes por Obama, segundo as quais ele apoiaria um CSNU reformado tendo a Índia como membro permanente.

Na verdade, o revés para todo este exercício ocorreu por causa da China, da Rússia, dos EUA e de alguns outros países, incluindo a União pelo Consenso (UfC, na sigla em inglês), grupo que se opõe à expansão do CSNU, que expressaram suas opiniões de forma vaga mas em termos negativos.

De acordo com o texto, os chineses querem que “pequenos e médios países se revezem para servir no Conselho de Segurança”. Por outro lado, a Rússia, apesar de não se opor a qualquer expansão, assumiu a posição de que as atribuições dos membros do atual Conselho de Segurança devem permanecer as mesmas, com poderes de veto. Na prática, isso significaria que poderiam haver duas classes de membros do CSNU: os membros permanentes do G-4 sem poder de veto e os membros do G-5 com poder de veto.

Em geral, isso significa que a maioria dos países prefere negociar e permanecer no Grupo de Negociações Intergovernamentais em um ritmo lento. Isto equivale a protelar o processo – talvez para sempre

A verdade é que ninguém a não ser o G-4 está com pressa ou vontade de reformar o Conselho de Segurança. O P-5 não quer novos membros em seu pequeno e acolhedor clube. Outros atores regionais como o Paquistão e a Colômbia não querem um jogador grande em sua região. Eles também sonham com suas próprias chances de aderir um dia ao Conselho de Segurança e por isso mesmo estão felizes em atrasar este processo tanto quanto puderem.

Neste cenário, quais são as opções para que o G-4 fortaleça o seu caso? Enquanto autoridades e diplomatas planejam mais reuniões e declarações sobre as reformas do CSNU, vários especialistas, especialmente na Índia, acreditam ser necessária uma mudança dramática na estratégia.

Ramesh Thakur, ex-funcionário da ONU que agora é professor na Escola Crawford de Políticas Públicas da Universidade Nacional da Austrália, sugeriu que para conseguir seu objetivo os países do G-4 “deveriam se envolver em uma campanha deliberada e combinada de não-cooperação”.

Embora Thakur não mencione Mahatma Gandhi, sua proposta segue as táticas utilizadas pelo homem que liderou a luta da Índia contra o Império Britânico por meio da não-cooperação. Sem ser ofensivo e violento, Gandhi acabou com o domínio estrangeiro na Índia, pedindo aos indianos para não cooperar com os britânicos ao não não pagar impostos e recusando-se a comprar produtos britânicos.

Em um artigo intitulado “Aqueles que imploram não merecem ser membros permanentes do Conselho de Segurança”, publicado no reputado website indiano The Wire na semana passada, Thakur escreveu: “Para começar, eles devem se recusar a participar das eleições para os assentos não-permanentes […]. Se todos os quatro países se recusarem a participar do Conselho por uma década ou mais isso irá deslegitimá-lo.” Seu artigo é enfático: “Já que todas as missões pacificadoras da ONU são autorizadas pelo Conselho de Segurança, os países do G-4 deveriam se recusar a contribuir com tropas, pessoal civil ou fundos até que o Conselho seja reformado […]. Já que as operações de paz são bancadas por contribuições voluntárias,  deveriam se recusar a oferecer voluntariamente qualquer contribuição”, escreveu Thakur, argumentando que estes passos drásticos sinalizarão a profundidade do ressentimento e da revolta contra o sistema da ONU.

É uma incógnita se o países do G-4 países poderão todos concordar com esses métodos de Gandhi para resolver o estado de procrastinação permanente mantido pelo P-5 e outros. Mas, dado o impasse desde 2005, a não-cooperação ao estilo Gandhiano pode ser seu último recurso e sua única opção.

 

Shobhan Saxena é um jornalista indiano baseado no Brasil. Escreve sobre a América do Sul para o “Times of India”, “The Hindu”, “BBC South Asia”, “The Wire” e várias outras publicações. Possui mestrado em Ciência Política pela Universidade Jawaharlal Nehru (JNU), Nova Delhi, e diploma de pós-graduação em jornalismo do Instituto Indiano de Comunicação de Massa, Nova Delhi, e da Universidade de Westminster, em Londres. Em 2013-14, ministrou aulas em um curso de extensão sobre a política, sociedade, e política externa da Índia no NUPRI, da USP, e em outro sobre “100 anos do cinema indiano” na FFLCH, da USP