De 16 a 20 de agosto ocorrerá em Washington a primeira rodada da renegociação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o NAFTA, proposta pelo governo Trump. EUA e México divulgaram documentos com seus objetivos – Summary of Objectives for the NAFTA, da USTR, e Prioridades de México en las negociaciones para la modernización del TLCAN, da Secretaría de Economía. Ambos são apresentados como resultado de consultas internas.

A USTR vincula as propostas com promessas de campanha de Trump, enfatiza que há anos os trabalhadores dos EUA sofrem as consequências do Tratado, sem que “ninguém” os tenha defendido, e que seria necessário alcançar “um acordo melhor para os americanos”. A “modernização” do Tratado teria como objetivos promover as exportações estadunidenses, com eliminação de barreiras não tarifárias e subsídios, de forma a reduzir o déficit comercial com o México, de 53 bilhões de dólares em 2016.

O documento dos EUA aponta 22 itens a serem revistos, em geral de forma muito precisa. Alguns são novos em relação ao Tratado de 1992: medidas para facilitar o comércio digital e combater a corrupção e critérios de transparência institucional comparáveis às leis estadunidenses. Outros são alterações importantes, como trazer normas trabalhistas e ambientais para o próprio Tratado, hoje abordadas em acordos paralelos.

Uma novidade é a proposta de que o tratado assegure que os países membros evitem “manipular taxas de câmbio”, para ajustes no balanço de pagamentos ou para obter ganhos de competitividade. O texto menciona apenas a criação de “um mecanismo apropriado” para isso, sem detalhes. Para o México, sócio mais vulnerável, seria uma limitação considerável à atuação de seu Banco Central. A proposta pode ser mais um desdobramento do interesse dos EUA em ampliar os temas incluídos em acordos de livre comércio ou apenas reflexo da obsessão de Trump com o que considera concorrência desleal da China

O documento do México é mais genérico e define quatro objetivos básicos: fortalecer a competitividade na região, avançar em comércio inclusivo e responsável, aproveitar as oportunidades econômicas do século XXI e promover o comércio e os investimentos.

Ainda assim, aparecem divergências em questões relevantes. Um exemplo é o mecanismo de solução de controvérsias, estabelecido no capítulo XX do Tratado de 1992: enquanto o México propõe modernizá-lo, a proposta de Washington é eliminá-lo, dando à Comissão de Livre Comércio caráter não permanente. Pela proposta dos EUA, as disputas seriam resolvidas por meio de consultas, na forma de painéis binacionais.

Uma questão delicada é a proposta dos EUA de inclusão das questões energéticas no Tratado, enquanto o documento mexicano propõe “atualizar as disposições relativas à energia”, incorporando as recentes modificações no setor. Com as reformas de dezembro de 2012, a Pemex não possui mais exclusividade na produção, exploração e distribuição do petróleo, abrindo-se ao setor privado. Em 1992, o México recusou-se a incluir o tema nas negociações.

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Devido à forte relação econômica com os Estados Unidos, a modernização do NAFTA deverá concentrar esforços da diplomacia mexicana no último ano da gestão presidencial de Enrique Peña Nieto. Para o México, o maior desafio não é chegar a um acordo, que é o desfecho mais provável, e sim conseguir negociar o acordo em termos que beneficiem seus “interesses”, considerando o quadro internacional desafiador. Desde as eleições, Trump adotou tom ameaçador e unilateral sobre o México, mas com sinalizações de que pretende chegar a acordos, como se verifica na recém-divulgada transcrição da conversa telefônica entre ele e Peña Nieto em janeiro.

O governo do México dá sinais de preferir um processo de negociação rápido. O embaixador nos EUA afirmou que o governo quer evitar que as negociações avancem por 2018, quando haverá eleições presidenciais no México e legislativas nos EUA. A renegociação pode enfraquecer ou melhorar a imagem do PRI, o partido de Peña Nieto, nas eleições que prometem ser muito disputadas.

Não é preciso ressaltar a assimetria entre os dois países e a enorme capacidade dos EUA de impor sua agenda. Nesse quadro, a estratégia mexicana tende a ser sempre defensiva. Contudo, é importante salientar que, além da dependência do México em relação aos EUA, os dois países são interdependentes. O México é indispensável para reduzir o acesso de migrantes da América Central que entram pela sua fronteira sul e representam hoje o maior fluxo migratório que cruza a fronteira norte, onde Trump prometeu erguer o muro. O mesmo pode ser dito sobre o combate ao narcotráfico, que se tornaria quase impossível sem participação ativa do México.

Em outros momentos, o México mostrou significativo poder de barganha diante dos Estados Unidos, como no voto mexicano contrário à saída de Cuba da OEA, no socorro financeiro na crise da dívida dos anos 1980, na não concordância em incluir o tema energético na negociação do NAFTA e na recusa em aceitar tropas norte-americanas no combate ao narcotráfico. A própria estratégia defensiva do México agora pode ser um sinal de que o governo sabe que as propostas de Trump possuem um componente midiático e que propostas como a extinção da Comissão de Livre Comércio podem ser negociadas e revertidas.

Desde que Trump foi eleito, a conduta de Peña Nieto foi cautelosa, apesar das críticas internas a sua postura. Pode ter sido pela expectativa de que a ofensiva do novo presidente amainaria por si mesma. Pode ter sido também uma estratégia de ganhar tempo para procurar acordos internos sobre como reagir e o que propor, diante da ausência de propostas concretas de enfrentamento com os EUA, e menos ainda de ruptura. Nas negociações em curso, o México pode estar concentrado em conseguir vantagens pontuais, ainda que relevantes, a serem identificadas e explicitadas à medida que o parceiro maior definir seus objetivos.

Artigo publicado Valor Econômico, 09/08/2017.