Paulo Beraldo, O Estado de S. Paulo, 28 de junho de 2019


O cientista político Hussein Kalout, pesquisador da Universidade Harvard, afirmou ao Estado de S. Paulo que, independentemente do “corte de política externa” que o governo brasileiro tenha, o que importa na reunião do G-20, no Japão, é o presidente Jair Bolsonaro inspirar confiança “como ator que compõe as 20 maiores economias do mundo”.

“O que o governo precisa é de substância e de uma moldura estratégica clara para definir o formato da consecução de sua política externa. Não se faz política exterior apenas com retórica. É preciso conteúdo, visão, capacidade organizacional, clareza operacional e estratégica para materializar os objetivos nacionais. É preciso não perder tempo na luta contra moinhos de vento, de modo a usar a energia para obter resultados concretos que gerem segurança, bem-estar e crescimento para a população”, disse Kalout.

Como chega o Brasil para essa reunião do G-20 em termos de diplomacia?

Como uma das dez principais potências econômicas internacionais, o Brasil chega com a responsabilidade de deixar claro como pretende materializar o seu projeto econômico, efetuar as reformas estruturais e impulsionar o crescimento. Temos de apresentar de forma crível quais são os desafios econômicos que o País tem para o futuro. Temos de destacar as potencialidades do nosso mercado e a abrangência dos investimentos que podemos obter aqui.

Então, independentemente do corte de política externa que o governo tem, o que importa na reunião do G-20 é qual a credibilidade econômica que o governo pretende plasmar e de que forma o governo pode inspirar confiança como ator que compõe as 20 maiores economias do mundo. Dito isso, é inegável que temos grandes desafios pela frente e que os investidores tendem a perder a paciência. É necessário demonstrar sobriedade e temperança na articulação política para fazer avançar as reformas de que o Brasil precisa.

O desafio no G-20 não será convencer parceiros importantes e investidores de que o governo tem um plano de reformas consistente e que aponta na direção correta. O desafio é mostrar que haverá sabedoria política para criar um ambiente de governabilidade, o que é fundamental para passar as reformas necessárias.

Como o senhor avalia esses primeiros meses e decisões da política externa?

Eu falo de projetos e de ideias, não de nomes. Acho que nossa “estratégia internacional” ainda não ganhou, digamos, um formato que pode ser chamado de política externa. O que existem são movimentos táticos, pontuais, que ainda não se converteram em resultados tangíveis. E são movimentos muito calcados numa visão particular, quase única, dos desafios internacionais. O mundo está discutindo não a imposição de valores por organismos internacionais, mas a busca de espaços de projeção de interesses. Qualquer mudança abrupta e não muito bem calibrada em matéria de política exterior pode gerar consequências graves para o País no médio e no longo prazos, sobretudo quando gera ruptura em relação a ativos diplomáticos importantes, como a nossa consistência na defesa do direito internacional e do multilateralismo, por exemplo.

Não há dúvida de que há uma mudança na ênfase e na abordagem. Mas essas mudanças não se caracterizam por uma política externa integrada, coesa e coerente. A diplomacia brasileira não pode ser formulada com base em ações casuísticas, improvisos ou medidas meramente reativas. O Brasil ainda não definiu qual é a sua grande estratégia. Qualquer mudança drástica tende a impor ao País custos. Resta saber quais são os ganhos que o Brasil pode amealhar por meio dessas mudanças que estão em curso.

De que forma esse embate público entre o presidente Jair Bolsonaro e a chanceler alemã Angela Merkel pode afetar as negociações para o acordo entre União Europeia e Mercosul?

Eu entendo que o acordo do Mercosul-UE caminha numa raia bem distante dessa retórica verbal. Isso nada tem a ver com o curso da negociação que está ocorrendo, em Bruxelas. A despeito da colocação da Merkel, o governo tem pouco tempo e me parece que não há ainda dados consolidados nesses seis meses que podem ser imputados ao Brasil ou responsabilizá-lo por desmatamento florestal. É verdade também que a Alemanha tem uma matriz energética suja, baseada no uso no carvão, enquanto a nossa é limpa, muito baseada na hidreletricidade.

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Agora, a crítica me parece que foi lançada como algo correlacionado às políticas públicas que estão sendo apresentadas para a sociedade e para o mundo a partir do Ministério do Meio Ambiente. Algumas são vistas como polêmicas e que rompem o padrão dos compromissos assumidos pelo Brasil. Isso, talvez, tenha gerado preocupação em alguns países europeus. Mas, cabe salientar que o Brasil recuou da ideia de sair do Acordo de Paris. É um sinal importante. Francamente dizendo, não se deve, na minha percepção, superdimensionar essas declarações. O nível de desinformação é muito grande. Não é sadio para as relações bilaterais.

O senhor acredita que não deveria haver a publicização desse tipo de comentário?

A Alemanha investe há décadas em projetos ambientais no Brasil e há, atualmente, uma certa pressão e questionamentos da sociedade alemã se o país deve seguir investindo em plataformas orientadas ao desenvolvimento sustentável com parceiros brasileiros. Há dúvidas acerca da qualidade dos resultados na aplicação desses recursos no contexto atual.

No entanto, eu acho que, se a Alemanha tem dúvidas sobre a política ambiental brasileira e desconfianças quanto às inclinações do governo, esse questionamento deveria ser feito pelos canais adequados. Ninguém discute problemas diplomáticos pela imprensa. As discussões se dão nas esferas adequadas, em encontros bilaterais por especialistas de ambos os países e movidos pelo diálogo diplomático. Há uma gramática política própria para isso.

O senhor entende que o governo tem preparo e habilidade diplomática para lidar com os desdobramentos dessas tensões no ambiente internacional?

Não se trata de preparo ou de habilidade. O que o governo precisa é de substância e de uma moldura estratégica clara para definir o formato da consecução de sua política externa. Não se faz política exterior apenas com retórica. É preciso conteúdo, visão, capacidade organizacional, clareza operacional e estratégica para materializar os objetivos nacionais. É preciso não perder tempo na luta contra moinhos de vento, de modo a usar a energia para obter resultados concretos que gerem segurança, bem-estar e crescimento para a população.

Qualquer que seja o projeto de política exterior, é necessário que sua base seja esculpida sobre uma matriz combinatória que aglutine, prioritariamente, o posicionamento estratégico dos demais atores na geometria global, os nossos interesses geoestratégicos no contexto regional, o arcabouço de temas vitais para nossa segurança nacional e, por fim, as necessidades mais prementes para o nosso desenvolvimento socioeconômico.

O senhor enxerga uma visão estratégica de longo prazo na política econômica?

A equipe econômica é bem estruturada e é um time forte. Há, sim, uma visão de quais são os principais projetos e como se deve avançá-los. A atração de investimentos qualitativos e o ajuste nas contas públicas são políticas de alto impacto e têm um efeito no longo prazo sobre o dinamismo da nossa economia.

Mas isso, no entanto, depende de outras variáveis importantes como, por exemplo, saber articular com os demais poderes da República e com os entes da Federação. A elevação da confiança na capacidade de o governo materializar os projetos estruturais de reforma econômica é, no fundo, o que ajudará a consolidar as políticas de longo prazo.

O que, em termos de economia, deveria ser estabelecido para os próximos meses da gestão presidencial?

No curto prazo o governo precisa resolver três problemas: renda, crédito e emprego. Sem isso, a economia entrará em processo de inércia e logo terá impactos severos sobre a sociedade, o empresariado e o mercado. A abertura comercial, redução tarifária, qualificação profissional e a desburocratização da administração pública são os ingredientes fundamentais para estimular a produtividade da economia.

E isso sem mencionar a vital importância da reforma fiscal e tributária. Temos também de mobilizar capitais para investimento na infraestrutura e na logística, bem como dar musculatura a nosso ecossistema de inovação. Tudo isso complementa a agenda de liberalização e cria ambiente favorável ao aumento da competitividade.