Em 2011, apenas dois anos depois do início de seu mandato, Barack Obama anunciou a decisão estratégica de redirecionar a política externa norte-americana em relação à Ásia, na tentativa de se distanciar da doutrina centrada no Oriente Médio implementada por seu antecessor. Seu “giro estratégico” (strategic pivot, na terminologia em inglês) alterou as orientações dos EUA não somente em termos geográficos, mas também em um sentido mais amplo, com a relativização das questões de segurança e de combate ao terrorismo em benefício de uma maior atenção para com os temas econômicos globais. Com o novo pivot, Obama procurou fixar um eixo e uma base de apoio que possibilitasse uma mudança de atitude dos Estados Unidos diante do mundo, atualizando a liderança norte-americana.

Em 2014, com o agravamento da crise ucraniana, a Rússia respondeu às pressões ocidentais – exercidas pela imposição de sanções econômicas – mediante uma aproximação com a Ásia, especialmente com a China. Assim, buscou diminuir sua sensibilidade e vulnerabilidade na relação de interdependência energética que mantém com a Europa e sinalizou seu próprio pivot asiático. Por sua vez, a China, também em 2014 e de maneira mais explícita, anunciou seu redirecionamento dentro do continente – seu pivot para a Eurásia, através de amplos investimentos condensados no projeto que ficou conhecido como a Nova Rota da Seda. Por diferentes motivações, o padrão identificado na política externa desses três atores mostra uma convergência de interesses na Ásia, o que leva ao questionamento em torno das consequências da sobreposição destes interesses em uma área já marcada por suas próprias disputas regionais.

No caso dos EUA, o pivot significa não tanto o abandono da política para o Oriente Médio, mas sobretudo uma maior concentração de esforços em relação à Ásia. O contexto de crise econômica que marcou o início do governo Obama (2009) trouxe para o debate interno o questionamento da atuação global dos EUA e da necessidade de se concentrar nos problemas domésticos do país. Nesse sentido, o contrastante sucesso da economia chinesa e a percepção de que, se os problemas estavam no Oriente Médio, o futuro estava na Ásia motivaram a adoção da nova estratégia. O direcionamento teve um duplo sentido. Se, por um lado, buscou beneficiar a economia dos EUA do inegável crescimento dos países da região – especialmente da China –, por outro mostrou a preocupação de Washington em prestar mais atenção na ascensão chinesa e nos desafios que isso traz à hegemonia americana.

Em 2014, as relações da Rússia com o Ocidente atingiram seu nível mais crítico desde o fim da Guerra Fria. Por conta do conflito envolvendo a Ucrânia e da consequente anexação da Crimeia pela Rússia, Moscou sofreu sanções econômicas dos EUA e da União Europeia como represália. Essa medida, entretanto, acabou tendo efeitos indesejados para Washington, pois empurrou a Rússia para a Ásia e resultou em um acordo energético com a China, que vinha sendo negociado havia anos pelos dois países e era evidentemente não desejado pelos norte-americanos, dadas as consequências que um acordo entre o maior exportador e o maior importador de energia do mundo traria em termos de poder econômico e geopolítico. Este foi, portanto, o momento propício para que a Rússia implementasse seu pivot asiático, buscando diversificar parcerias a seu leste geográfico em um contexto de hostilidade ocidental.

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Por sua vez, a política externa chinesa também parece sofrer uma reorientação – nesse caso dentro do próprio continente asiático – em direção à Eurásia. Esse pivot chinês tem como marco o anúncio da ambiciosa Nova Rota da Seda, feito em 2014. Coincidindo com a afirmação de uma política chinesa mais assertiva promovida pelo presidente Xi Jinping, o projeto objetiva a construção de uma rede de infraestrutura que ligue o país até a Europa via Ásia Central. A potencialidade energética da região – que abriga as expressivas reservas de petróleo e de gás natural da bacia do Mar Cáspio – é o ponto nevrálgico do plano, uma vez que a demanda chinesa por esses recursos tem crescido significativamente desde os anos 1990. Evidentemente, o pivot chinês em relação à Eurásia não significa a negligência por Pequim das outras sub-regiões asiáticas. Pelo contrário, mostra a expansão da presença chinesa no continente e a consequente afirmação de sua influência regional.

O entrecruzamento das políticas externas dessas três potências na região faz parte de uma dinâmica muito mais ampla, que envolve a disputa por posições relativas em um sistema internacional em transformação.

A ascensão da China leva os EUA a buscarem a reafirmação de sua presença na região, através de uma paradoxal política de autobenefício econômico concomitante com um dispêndio maior de atenção a um potencial desafiador da hegemonia global norte-americana. Por outro lado, a Rússia aproveita a projeção chinesa para forjar uma aliança capaz de contrabalancear o poder estadunidense como parte da política de multipolarização do sistema internacional adotada pelo país desde o ano 2000. Não obstante, apesar dos incentivos à cooperação entre Moscou e Pequim, os dois atores têm interesses conflitantes na região, especialmente na Ásia Central. Essa sub-região é fundamental para a Rússia não apenas pelos hidrocarbonetos, mas também por ser parte do seu Exterior Próximo, área que concentra interesses estratégicos (vitais, conforme a conceituação geopolítica do termo) intrínsecos à própria concepção do Estado russo como tal.

Dessa forma, os pivots das políticas exteriores dos EUA, da Rússia e da China criam padrões de cooperação e competição que não são de forma alguma binários, são difíceis de se prever mas são fundamentais para que se compreenda o jogo de poder mais amplo que ocorre no nível internacional entre essas três potências.