Em tempos de descrença na política e nos políticos, a Guatemala — país centro-americano, berço da civilização maia e uma das sociedades com maior população indígena do continente — passa por um dos mais conturbados períodos de sua historia recente. Realizadas dias depois da renúncia do presidente Otto Pérez Molina, em 2 de setembro, acusado de liderar uma rede de corrupção no setor alfandegário, as eleições presidenciais do último domingo (6/9) mostraram o descontentamento da população guatemalteca com seus políticos tradicionais.

O candidato Jimmy Morales, da Frente de Convergência Nacional (FCN), partido nacionalista de cunho militar, converteu-se no vencedor do primeiro turno das eleições presidenciais. Enfrentará no segundo turno à ex-primeira-dama Sandra Torres, candidata da Unidade Nacional da Esperança (UNE), que obteve 19.74 % dos votos, seguida de perto por Manuel Baldizón, representante de Liberdade Democrática Renovada (Líder), que ficou em terceiro lugar com 19.28 por cento.

O Supremo Tribunal Eleitoral (STE) elogiou o pleito, que contou com a afluência de 79% dos 7,5 milhões de eleitores, que foram às urnas para eleger um novo presidente, seu vice, os prefeitos e vereadores de 338 cidades. A Polícia Nacional Civil da Guatemala, porém, informou que as eleições deixaram pelo menos cinco pessoas feridas, incluindo quatro policiais, e acarretaram a prisão de 36 cidadãos após distúrbios em El Progreso, Petén e Escuintla.

Jimmy Morales Cabrera é um administrador de empresas de profissão que ficou famoso por seu trabalho como comediante no programa de televisão “Moralejas”. Era pouco conhecido no âmbito político até seis meses atrás. Caso vença o segundo turno, tornará realidade um papel que já protagonizou em um dos seus filmes. Sua primeira participação política foi em 2011, como candidato à Prefeitura de Mixco pelo desaparecido partido Ação de Desenvolvimento Nacional (ADN). Obteve pouco mais de 13 mil votos. Passou a se dedicar então à produção cinematográfica e televisiva. Reapareceu em março de 2013, quando a Frente de Convergência Nacional o escolheu como seu secretario geral.

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Um dos principais problemas do país, hoje, é administrar o clima de inquietação desencadeado pela renúncia do presidente Molina. O vice Alejandro Maldonado assumiu o poder e deverá ficar na Presidência até janeiro de 2016, quando o próximo mandatário tomará posse.

A maioria dos manifestantes que pressionam por mudanças no país são jovens entre 25 e 35 anos, que representam a maioria do colégio eleitoral e da População Economicamente Ativa (PEA). Impulsionam um emergente movimento cívico que forçou a renúncia do ex-presidente e abre possibilidades reais de que se alcance um pacto social efetivamente democrático. Assim como em outros países da América Latina, debate-se muito na Guatemala sobre as dificuldades de se construir um modelo de articulação que não esteja preestabelecido por alguma força política, por experiências corporativistas ou gremiais. A formação real de um sujeito histórico com capacidade para impor mudanças sociais efetivas dependerá da maneira como se produza uma rede de articulações entre sujeitos.

O próprio partido de Morales, a FCN, tem trajetória sinuosa. Nasceu como proposta de um grupo de ex-militares que participaram do longo período de guerra civil que vigorou na Guatemala entre 1960 e 1996, o chamado Conflito Armado Interno, bastante associado ao ambiente ideológico da Guerra Fria e que teve profundo impacto econômico, contribuindo para aumentar a polarização político-social na sociedade guatemalteca. Em 30 de junho de 2004, durante um desfile de comemoração do Dia Nacional do Exército, alguns veteranos foram agredidos por familiares de vítimas de desaparecidos e decidiram se organizar para atuar politicamente no país.

De acordo com o sociólogo guatemalteco Mario Mérida, os recentes acontecimentos no país representam um avanço que se destaca na “era democrática guatemalteca”, já que mudanças foram alcançadas após varias manifestações populares pacíficas. Hoje, no Guatemala, há uma forte onda social de caráter predominantemente urbano que vê a corrupção como o principal problema do país, mais importante do que a insegurança, o desemprego, as péssimas condições de acesso a saúde e educação.