A abertura oficial da embaixada dos EUA em Havana, dia 14 de agosto, forneceu um adicional fator de agitação e propaganda ao Partido Republicano norte-americano, especialmente aos candidatos que desejam concorrer às próximas eleições presidenciais, ano que vem.

O pré-candidato Jeb Bush, ex-governador da Flórida, filho do ex-presidente George Bush e irmão do ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush, não titubeou em dizer que a visita do secretário de Estado John Kerry à ilha, por ocasião da cerimônia de abertura, “é um presente de aniversário para Fidel Castro. Um símbolo da aquiescência do governo de Obama ao seu legado impiedoso”.  Fiel ao estilo e ao pensamento da família, o pré-candidato republicano afirma que Obama faz concessões inadmissíveis aos Castros, já que Cuba continuaria a ser “uma ditadura inflexível e um exemplo da loucura do comunismo”.

Tanto ele quanto os senadores Marco Rubio e Ted Cruz já haviam manifestado oposição aberta aos esforços de Obama para se aproximar de Cuba. Quando foi anunciada a retomada das relações diplomáticas, os três republicanos criticaram veementemente aquilo que consideram ser uma conivência com violações de direitos humanos na ilha. Planejam votar contra, no Senado, à nomeação de um embaixador na nova representação diplomática em Havana.

A agressividade verbal dos republicanos contém um componente eleitoral evidente, mas também reflete a obsessão anticomunista que esteve na origem do embargo comercial à ilha e da ruptura das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos em 1961. É um dado da cultura política norte-americana, particularmente da sua vertente conservadora. Ela alimentou um dos maiores equívocos da política externa do país: em vez de minar o regime de Fidel Castro, a decisão acabou por alimentá-lo e por prejudicar o já difícil cotidiano dos cubanos. Com o passar dos anos, o embargo foi se tornando anacrônico, mas persiste até hoje.

Para os cubanos, a nova política de retomada de relações com os EUA só fará sentido e se completará com o fim do embargo, visto por eles como conquista principal. A medida terá grande efeito sobre a economia cubana. Poderá até mesmo auxiliar a que o ideal socialista do regime se oxigene e se estabilize. A melhoria das condições materiais dos cubanos, bem como alguma injeção de dólares nos sistemas-chave do regime – a educação e a saúde –, reforçarão o sistema, mas também tenderão a impulsionar a adoção de medidas de ampliação da democracia e da liberdade.

A reaproximação deverá se completar pouco a pouco. A agenda é complexa e inclui pontos de difícil equacionamento: direitos humanos, Guantánamo e pedidos recíprocos de indenização, além da suspensão do embargo. Os discursos oficiais oscilam entre a moderação diplomática, o interesse sincero e a divergência contida. Kerry e Obama sustentam que o diálogo atual entre os dois países é uma exigência das novas circunstâncias: como a “Guerra Fria terminou há muito tempo”, é hora de o diálogo prevalecer sobre as rivalidades.

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Já o chanceler cubano Bruno Rodríguez pede a não intervenção em assuntos internos de seu país e contrapõe, à exigência norte-americana de respeito aos direitos humanos, uma forte crítica à própria situação interna dos Estados Unidos, referindo-se diretamente à discriminação racial, à violência policial e à influência do poder econômico nas eleições. Exige, também, a devolução do “território ilegalmente ocupado de Guantánamo”.

Após a cerimônia oficial de abertura da embaixada norte-americana em Havana, Kerry e Rodríguez concederam entrevista coletiva, na qual declararam que a abertura de embaixadas é apenas o início de um longo processo de normalização. Anunciaram a criação de um grupo de diálogo permanente para planejar as negociações futuras. Guantánamo não está em discussão no momento. Mas, para Kerry, “na medida em que avançarmos, quem sabe quais temas serão colocados sobre a mesa ao longo do tempo?”.

As perspectivas são, portanto, de avanço e efetiva reaproximação.

Considerado de forma ampla, o comunismo cubano não representou infortúnio e desgraça. Garantiu educação, saúde e igualdade aos cubanos. Manteve viva uma utopia. Mas não promoveu o acesso dos cubanos a importantes bens de consumo e os afastou do convívio com o mundo. Contribuiu de algum modo para que Cuba permanecesse parada no tempo. A revolução foi hostil à diversidade, ao pluralismo e à democracia, um preço que está sendo cobrado hoje.

Mas as antigas decisões norte-americanas de 1961, assim como a reiteração delas ao longo dos anos, foram decisivas para que Cuba não saísse do lugar. Em vez de ajudar os cubanos, os EUA contribuíram para prejudicá-los ainda mais.

Obama parece ter percebido claramente isso. Suas decisões de agora são uma forma de autocrítica em relação à política norte-americana para Cuba. Se forem mantidas, ampliadas e executadas, terão grande impacto tanto no que diz respeito à melhoria das relações entre Cuba e Estados Unidos, quanto para que se complete a plena inserção de Cuba no hemisfério latino-americano. Por extensão, poderá ajudar a que melhorem as relações dos EUA com outros países latino-americanos, como a Venezuela. Para Obama, será a afirmação de um movimento de política externa dedicado a oxigenar o mundo e a ampliar as chances de uma estabilidade global.

Políticas de bloqueio e isolamento ficaram para trás. O mundo efetivamente mudou. A hora é do diálogo, da diplomacia e da negociação.