Quem assistia ao jogo de futebol entre França e Alemanha poderia imaginar que os barulhos de rojões aludiam à vitória francesa no clássico europeu. Infelizmente, faziam parte de um plano maior e nada comemorativo: Paris sofria um atentado terrorista de grandes proporções, sem antecedentes no país. Locais de grande circulação, especialmente à noite e entre a população mais jovem, foram alvos de ataques praticamente simultâneos; a casa noturna Bataclan foi tomada de assalto com dezenas de reféns.

O que assusta não é apenas o tamanho do atentado, com mais de 100 mortos e outras centenas de feridos, mas a capacidade de organização e planejamento daqueles que assumiram a autoria, o Estado Islâmico (EI). Articular ataques na capital francesa provavelmente demandou tempo e recursos, com indivíduos treinados e capazes de se manter ocultos aos serviços de inteligência europeus. Até mesmo por essa razão surgem questionamentos acerca da eficiência desses serviços frente a ameaças dessa dimensão, difíceis de serem previstas e sem um alvo político direto – a aleatoriedade como fator de ação reforça o caráter do próprio ataque terrorista, que apela ao medo e à impotência.

O contexto europeu e, particularmente o francês, não ajuda. Em um clima de radicalização política, surgem indivíduos que se aproveitam da sensibilidade da situação para legitimar ações restritivas e intolerantes. O aumento do fluxo de imigrantes para o continente é usado como justificativa por grupos conservadores, como o da sempre presente candidata presidencial Marie Le Pen. A busca por unidade nacional deixa de se pautar por atributos que ressaltem princípios historicamente ligados aos franceses, como a liberdade e a fraternidade, assumindo caráter homogeneizante, de exclusão do “outro” construído como ameaça e inimigo.

Esse é o outro perigo das reações imediatas ao ocorrido. O presidente François Hollande expressou reiteradamente o desejo de “levar às últimas consequências” e “fazer o que for necessário” para garantir justiça. Torna-se necessário, portanto, entender o que é expresso como justiça: atuar para impedir grupos como o Estado Islâmico de agir não apenas na França mas no mundo, ou empenhar recursos do país em um conflito sem inimigo direto, objetivo e terminável? O risco de seguir o segundo caminho repousa em ações já conhecidas desde os atentados contra as Torres Gêmeas em 11 de Setembro de 2001: uma guerra sem fim, em que o inimigo é permanentemente reconstruído e fluído.

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O Estado Islâmico agiu na França e no Líbano nessa sexta-feira, 13 de novembro. Demonstrou ter grande capacidade de articular recursos e capital humano e de empregá-los em mais de um lugar ao mesmo tempo. O EI atua justamente nas fragilidades da sociedade moderna: recruta jovens, homens e mulheres, que buscam sentido no mundo em que vivem, algum tipo de alento e direção. O uso das redes sociais e de vídeos em mais de uma língua são sinais de que os atores transnacionais passam por mudanças e adaptações mais rápidas que os Estados suporiam anteriormente – um provável aspecto negativo das benesses geradas pela globalização em um mundo cada vez mais conectado em redes.

A resposta francesa provavelmente já foi definida tendo em vista os pronunciamentos emitidos pelo presidente e por aliados de outros países. Ao considerar os ataques como “atos de guerra”, Hollande pretende dar uma resposta à altura. O discurso passa pela construção dos atos como sinônimo de barbárie, o que corresponderia a uma colocação dos inimigos como irracionais e fora do ordenamento jurídico e internacional, como se isso permitisse uma ação excepcional: aos de fora, os “outros”, o que extrapola é aceitável e não necessita de justificativa; não se negocia com terroristas. De fato, é difícil pensar no diálogo com o Estado Islâmico, sua forma de pensar e agir é altamente discriminatória e intolerante, sem abertura para processos democráticos ou minimamente negociáveis. Eles querem restabelecer um Califado como os de outrora, séculos atrás, expurgando o mal e os infiéis.

A França e o Ocidente de forma geral deveriam evitar essa narrativa de construção simplista de mundo. Ao assumir um papel civilizatório frente à barbárie, acabam totalizando seu discurso de forma similar ao que é colocado pelos fundamentalistas. Isso não significa demonstrar fraqueza ou aceitar o que foi feito sem agir, mas sim construir pontes entre o que se convenciona chamar de Ocidente e Oriente. A aproximação dos Estados Unidos e da França em uma frente contra o Estado Islâmico pode significar o retorno à malfadada “Guerra ao Terror”, continuada por Barack Obama apesar das perdas e do alto custo político e econômico. Esse seria o pior cenário: mais do mesmo só gerará mais violência e uma escalada dos conflitos regionais e dos atentados.