Fernanda Magnotta

Professora e Coordenadora do curso de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), mestre e doutoranda pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP/ UNICAMP/ PUC-SP).

João Ricardo Costa Filho

Professor do curso de Ciências Econômicas da Fundação Armando Alvares Penteado. Mestre em Economia de Empresas pela Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/EESP) e doutorando pela Universidade do Porto (Portugal).

 

Tudo indica que Donald Trump será nomeado candidato presidencial durante a convenção nacional republicana, em Cleveland, entre 18 e 21 de julho.

Se, por um lado, ele deixou de ser o azarão da corrida eleitoral para se tornar uma possibilidade real, por outro, o avanço na campanha escancara, cada vez mais, a fragilidade de seus pés de barro. Trump fez das primárias um programa de entretenimento, como disse Barack Obama. Apoiado por parte da classe trabalhadora branca e insatisfeita, ele tem explorado os medos e carências de uma sociedade cansada da política tradicional, distante das necessidades dos americanos comuns.

Trump aposta na simplicidade. Conforme verificou o The Washington Post, seu discurso está repleto de respostas fáceis, é pouco sofisticado gramática e conceitualmente, e abusa de adjetivos e contraposições. A superficialidade, contudo, não está apenas na estrutura da fala, mas, substantivamente, no que diz o candidato. O trumpismo é vazio, é volátil, é líquido – como diria Zygmunt Bauman.

Em um ambiente de frágil recuperação pós-crise, Trump diz que pretende estimular a economia com cortes agressivos de tributos. Ele apenas parece ter se esquecido de contar como vai pagar a conta. Com o aumento nas deduções do imposto de renda, queda na alíquota sobre dividendos e corporações, Trump defende que seu plano fiscal sustentará a retomada do crescimento econômico. Ok. Se, por um lado, queda e simplificação de tributos são, em princípio, boas medidas, por outro podem culminar na incompatibilidade do crescimento dos gastos frente à evolução das receitas, fazendo o déficit público crescer e, assim, aumentar a dívida do governo. Alguém até poderia argumentar que os cortes podem estimular a economia e aumentar a receita; ótimo, mas onde está essa estimativa?

Ainda na esfera econômica, o republicano começou a campanha com um discurso duro em relação a Wall Street. Enquanto o cerne da maior crise financeira desde a Grande Depressão está na liberdade dada à criatividade da engenharia financeira, Trump afirma que deseja remover algumas das regulações implementadas justamente para tentar coibir esse tipo de dinâmica. Como ser duro afrouxando a regulação?

No âmbito do comércio internacional, por sua vez, o partido republicano é conhecido pela inclinação ao livre comércio. O maior acordo recente no ramo, o TPP (Trans-Pacific Partnership), não poderia estar fora da pauta eleitoral. Trump é contrário ao acordo, alegando que ele destruirá a manufatura norte-americana. Caso eleito diz que irá alterá-lo ou ignorá-lo. Por quê, se isso não é de competência do Executivo fazê-lo e se dificilmente teria apoio no Legislativo, junto de seus próprios pares?

Olhando para aspectos de política externa, Trump acusa a China de praticar dumping e desvalorizar o yuan. Se presidente, ameaçou impor tarifas sobre bens chineses, além de aumentar a presença militar dos EUA na região do Pacífico e da Ásia e elevar a pressão para que os chineses encontrem meios de conter a Coreia do Norte. Na fúria por produzir um discurso eloquente, Trump ignora o fato de que, hoje, enquanto os Estados Unidos são os maiores compradores de produtos com essa origem, a China financia a dívida norte-americana. Dando sentido ao termo “Chimérica”, cunhado pelo historiador Niall Ferguson, a dependência entre os países é tão grande que é impossível não considerar os impactos da ação de um sobre o outro. Logo, se retoricamente provocar a China serve para atrair o eleitorado órfão da Guerra Fria, na prática isso significaria ter que lidar com as consequências dentro de casa.

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É fundamental pontuar que ao longo dos anos Trump já mudou de ideia mais de uma vez sobre Cuba e o embargo (que só pode ser arbitrado pelo Congresso, diga-se de passagem). Em menos de seis meses abandonou a ideia de que os EUA deveriam ficar fora da Síria e deixar que o Estado Islâmico e Assad se digladiassem, para defender uma intervenção com boots on the ground. Durante a campanha, disse que pretendia “aumentar a força, o poder e o alcance das forças armadas dos EUA”, ao mesmo tempo em que chamou a OTAN, a maior e mais antiga aliança militar do mundo, de arranjo obsoleto e caro.

Trump também é ambíguo quando o assunto é a Rússia e o presidente Putin. Até agora ninguém entendeu o que ele pretende fazer com ambos. Além disso, na esteira das incongruências, o candidato disse ao Wall Street Journal que, como presidente, não autorizaria a violação de leis domésticas ou internacionais, ao mesmo tempo em que afirma ser contrário ao fechamento de Guantánamo e defende que, se eleito, “provavelmente colocaria mais gente lá”; isso para não citar a defesa ao waterboarding para obter informações em interrogatórios. Guantánamo não só é uma afronta ao sistema internacional de direitos humanos, como também a prática de tortura, além de moralmente abominável, já se mostrou ineficaz até mesmo em relatórios recentemente publicados pela CIA. Finalmente, Trump rejeita o acordo com o Irã e defende a retomada das sanções. Propõe uma reforma na imigração que, para além de xenófoba, ignora os constrangimentos estruturais com que teria que lidar, já que num sistema político complexo como o norte-americano o presidente não tem autonomia decisória na matéria.

Não sabemos quanto tempo mais vai subsistir o romance entre Donald Trump e o eleitorado. Por ora, enquanto ele ainda vive na campanha, a narrativa que construiu já respira por aparelhos. Trump ampara-se em propostas confusas e parece desconhecer as competências e limitações institucionais do cargo que disputa. Como presidente, é um candidato bem-sucedido. Como candidato, não passa de um marqueteiro irresponsável que tem sido mantido pela “sociedade do espetáculo”, de fachada, de polêmica e de imagem.

A esperança repousa no fato de que nenhum fenômeno costuma ser duradouro no mundo líquido.