A busca por sentido é a característica mais profunda e marcante tanto na existência individual quanto na coletiva. A necessidade se coloca frente ao universo de desafios impostos pela realidade, além das dificuldades de inserção do ser social no contexto em que está inserido. A pretensão de encontrar uma significação se apresenta em toda a cultura humana, perpassando em diferentes momentos históricos explicações transcendentais, mitológicas e racionalistas, chegando até aos sistemas propostos pela psicologia e psicanálise. O divã se transformou em instituição nessa perseguição insaciável de respostas para os problemas existenciais.

A questão existencial parece se impor fortemente em momentos de crise, como o das últimas décadas na esteira do esvaziamento generalizado de conceitos organizadores das sociedades. O contexto tem como pano de fundo o plano individual, afetado pelo capitalismo globalizado e as novas tecnologias, especialmente pelo avanço imensurável da microeletrônica. Mas, no espaço público, noções como Estado, Partido, Nação, Civilização, Liberdade e afins, deixaram de figurar como horizontes seguros em meio a um esfacelamento paulatino de consensos e ideologias. Ainda que seja impossível medi-lo por completo, o sentimento disseminado parece ser de um profundo vazio, de consequências ainda imprevisíveis.

No Brasil, a sensação geral de perda de sentido vem acrescida das vicissitudes da desaceleração econômica e dos escândalos de corrupção. A clivagem política, que vem extravasando a disputa partidária pelo poder, coloca o país em um estado de letargia próprio dos momentos de crise generalizada. Esse é o momento propicio para uma reavaliação dos caminhos e escolhas realizadas visando a procura de novos sentidos.

De todas as áreas em crise, se sobressai a das relações exteriores do Brasil. Após anos de uma política ativa e de retórica triunfalista, o recente retraimento da capacidade de inserção internacional brasileira caiu como uma bomba para analistas, pesquisadores e interessados em geral. O protagonismo como um dos mais importantes países em desenvolvimento dissipou-se na medida em que o modelo de desenvolvimento pautado no consumo e a transformação social por meio da redução da pobreza perdiam fôlego. Diversas projeções apresentadas nos momentos de crescimento, expansão e internacionalização da economia, que descreviam um movimento irreversível e singular de ascensão político-social brasileira, foram frustradas pelo encaminhamento dos acontecimentos, culminando nas revelações da Operação Lava-Jato. O enfraquecimento dos vetores de inserção e o imobilismo do executivo nos últimos meses colocam o papel atual e pretendido do Brasil em xeque, ou seja, no divã em busca de um novo sentido.

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A trajetória da relação do Brasil desde os primórdios da diplomacia luso-brasileira até os tempos hodiernos, no entanto, demonstra que não há completa originalidade na crise atual. Parece ser recorrente na história da política externa uma alternância constante entre momentos de glorificação, acompanhados da percepção generalizada da eminente mudança do status internacional do país, e momentos de incapacidade e imobilismo difuso, paralisando de forma concomitante as atividades imediatas e estratégicas. A formulação da política externa, historicamente pautada em uma retórica de aproveitamento das oportunidades e de solução das dificuldades de natureza interna e sistêmica, majoritariamente visando o desenvolvimento, sofre pelas pressões conjunturais em que está inserida, direcionando o interesse nacional em meio a metabolização de vontades e demandas.

Segundo essa lógica, não seria inexato afirmar que a política externa brasileira vive em crise desde o seu nascimento: a dificuldade de conformar um projeto nacional duradouro, simbolizado pela ausência um sentido na ação externa com suficiente representatividade social, alternando diretrizes e dando sentidos diversos aos conceitos históricos, parece ser a marca de longa duração da relação do país com o mundo e sua posição em meio a ele.

O desafio imposto ao NEAI em matéria de política externa será confrontar o curso desses acontecimentos, procurando contribuir para elucidar ao público interessado os desafios impostos em vários episódios, tentando estabelecer as idas e vindas desse processo de inserção internacional, sem descuidar do futuro. Faremos assim um processo de reconstituição histórica, uma regressão necessária, para avaliar as correlações de causa e consequência que foram imperativas durante a marcha dos séculos. O esforço interpretativo terá como marca um aspecto livre, sem estabelecer cronologias na exposição, liberando o leitor de um acompanhamento sistêmico e procurando ressaltar momentos e fatos pouco explorados pela bibliografia acadêmica.

Confrontar a história da política externa com a sua própria trajetória é um jeito de colocar as relações exteriores no divã, pensando e repensando o Brasil na busca de um sentido para nossa ação.