Paulo Timm

Economista, Pós-Graduado CEPAL/ESCOLATINA, Professor Aposentado da UnB. Fundador do PDT, Lisboa 1979. Candidato aos Governos de GO e DF por este Partido.   Site: http://www.paulotimm.com.br/

 

A Europa amanheceu triste – eu, aqui em Portugal, onde me encontro, inconsolável – e chocada com a vitória do Brexit na Grã Bretanha, isto é, a decisão de seus eleitores de se afastarem da União Europeia. Maioria estreita: 52% x 48%. Os ingleses aderiram, sempre com ressalvas, ao projeto de unificação da Europa. Jamais se subordinaram à zona do Euro, mantendo o que consideram o substrato básico de sua soberania, a libra esterlina.  O Euro, não obstante, fortaleceu-se como moeda comum da União Europeia, controlada pelo Banco Central Europeu com sede em Frankfurt, este, o  pivô do que aqui na Europa se denomina Troika, a odiada  trinca da Austeridade Fiscal.

Muitas perguntas a todo este processo de saída da Inglaterra. Por que os ingleses saíram? Como ocorrerá esta saída? Que consequências internas e para o conjunto da Europa acarretará?

O plebiscito, em primeiro lugar, além do apertado resultado, foi uma decisão tipo sim x não. Diante disso, não há como garantir direitos da minoria perdedora. Muitos britânicos consultados nesta manhã declararam-se simplesmente devastados com o resultado.  Difícil teste à democracia. Votaram a favor da saída do euro-projeto os condados do interior, o país de Gales, os mais velhos, os menos instruídos e de menor renda, vale dizer, grande parte dos trabalhadores. Votaram contra a saída Londres, Escócia, Irlanda do Norte, os mais jovens e instruídos, os detentores de maior renda, certamente os trabalhadores da City. O assunto, por vez primeira, extrapolou os parâmetros da velha divisão entre esquerda e direita. Em princípio, esteve tudo misturado.

Sinteticamente, apesar do apoio de sindicatos e de alguns setores de esquerda, a vitória do “Exit” é uma vitória da direita demagógica, que se fortalecerá no continente: Marine Le Pen, Geert Wilders e o partido extremista alemão AfD, além de Donald Trump nos Estados Unidos, que são os portadores, em seus países, dos mesmos temas.

Quais temas? A aversão à imigração; o nacionalismo; e o que o jornalista português Rui Tavares denomina “a preocupação com a supremacia do parlamento e os argumentos sobre a falta de democracia na União Europeia”. Não obstante, a INGLATERRA sempre foi o mais forte porta-voz do neoliberalismo no Parlamento Europeu. Logo, o Brexit quer mais autonomia para maior neoliberalismo interno na Grã-Bretanha, em nome de uma suposta maior soberania para a promoção do desenvolvimento nacional.

A saída da GB não será automática. Levará anos. Há Acordos e Tratados a serem seguidos. Tudo indica, contudo, que a GB tentará negociar uma posição privilegiada para seus produtos, que têm grande peso no mercado europeu. Talvez tente uma condição de “meio-integrante” da UE, resguardando-se apenas os bônus desta participação, à semelhança da Noruega, que jamais participou do bloco.

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A principal consequência do Brexit, além da queda imediata do Primeiro-ministro conservador que defendeu (mal) a permanência do seu país no bloco é o fortalecimento do nacionalismo e da direita na Europa, com o corolário de referendos semelhantes em vários outros países. A palavra de ordem da direita populista será substituir a União Europeia por uma Europa Unida de Nações Soberanas. Voltaremos aos anos 30 do século passado.

A UE é uma alternativa ruim, mas não há saída fora dela. Pelo menos, é um caminho de pavimentação da paz no continente e de aprofundamento da tolerância e da democracia. Isso não é pouco. A esquerda mais consequente tem rejeitado o excesso de rigor fiscalista da Troika, que já açoitou Grécia, Portugal, Irlanda e Itália. Em vários países, a esquerda já defende o abandono do projeto da União Europeia, considerando-o falido.

O mundo inteiro, porém, está na verdade, diante de um dilema: se ficar o bicho pega, se correr o bicho come.

Ou seja, o neoliberalismo não é, por certo, o único nem o melhor caminho, sobretudo para as economias menos desenvolvidas, mas não há clareza sobre algum Projeto Alternativo e as forças capazes de sustentá-lo democraticamente. Quando a esquerda avança, acaba isolando-se e perdendo capacidade hegemônica e eleitoral. E mesmo quando a alcança, como foi o caso na Grécia, vê-se na contingência de dar alguns passos atrás para não perder a governabilidade e o apoio da opinião pública.

Antigamente, nos bons tempos do marxismo-leninismo, diante destas situações, de crise do capitalismo e emergência de situações convulsionadas, a esquerda tinha, pelo menos, uma teoria crítica associada à ação revolucionária: proclamava a necessidade da “Revolução”, através de um partido de classe, do assalto ao poder e da edificação do socialismo com base numa economia centralmente planificada. Fiat lux! Estávamos, senão salvos, seguros. Hoje, isso está fora de cogitação. Não há clareza sobre o que fazer. Nestes casos, o pior a fazer é aderir aos clamores xenófobos e segregacionistas da extrema-direita, abandonando as alianças que podem, pelo menos, salvar a democracia, dando tempo à reflexão sobre como construir alternativas viáveis.

O grande problema do nosso tempo, enfim, não é o do reconhecimento da crise do capitalismo, mas o de saber para onde e como iremos, pois, como não se cansa de afirmar Slavoj Žižek, não é certo que o mundo caminhe inexoravelmente para o socialismo. Especialmente para o que nos acostumamos a entender nos manuais stalinistas como tal.