Matias Spektor – NEAI – Núcleo de Estudos e Análises Internacionais https://neai-unesp.org Thu, 10 Jan 2019 17:28:15 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.2 https://neai-unesp.org/wp-content/uploads/2018/05/cropped-logo-neai-icone-32x32.png Matias Spektor – NEAI – Núcleo de Estudos e Análises Internacionais https://neai-unesp.org 32 32 Plataforma diplomática da ultradireita ganha força https://neai-unesp.org/plataforma-diplomatica-da-ultradireita-ganha-forca/ https://neai-unesp.org/plataforma-diplomatica-da-ultradireita-ganha-forca/#comments Thu, 10 Jan 2019 17:28:15 +0000 https://neai-unesp.org/?p=3862 Ganha forma pela primeira vez no ciclo democrático brasileiro uma plataforma de política externa de ultradireita.

Ela não deve ser reduzida às maluquices do chanceler nem deve ser descartada como mero plágio inconsequente das ideias de Steve Bannon e Donald Trump. Tampouco é correto atribuir sua paternidade a Jair Bolsonaro. A eleição do presidente impulsiona esse programa e lhe dá força, mas a plataforma o antecede.

As origens intelectuais do projeto vêm de longa data. O furor antiglobalista é emprestado do ciclo iniciado em 1964.

À época, temerosos pela sobrevivência do regime, os generais e sua diplomacia denunciaram as Nações Unidas e os regimes internacionais de direitos humanos, de não-proliferação nuclear e de preservação ambiental.

O argumento era que tais instâncias seriam parte de um conluio esquerdista transnacional para enquistar o Brasil no atraso.

Na prática, o regime fazia de tudo para evitar que suas entranhas fossem expostas ao público. Os governos da época chegaram a abrir mão de ocupar uma cadeira rotativa no Conselho de Segurança da ONU para ficar longe dos holofotes.

Também é daquela época a ideia de que a diplomacia brasileira deve discriminar países em função de sua identidade ideológica com o ocupante do Palácio do Planalto.

Hoje, a velha plataforma de ultradireita ganha cores novas. É nova a noção segundo a qual as denominações cristãs do país devem ser tratadas como dimensão central da atuação externa.

É de agora o uso sistemático de notícias falsas e de teses que, mesmo sendo esdrúxulas, são defendidas ao arrepio das evidências, como é o caso do atual discurso oficial sobre mudança do clima e imigração.

Obtusa, a nova plataforma diplomática de ultradireita lembra muito sua irmã siamesa, a plataforma de política exterior da extrema esquerda. Trata-se de um mesmo mundo de fantasmas imaginários, lógica chã e descompromisso com os fatos.

É possível que o novo projeto da extrema direita sobreviva para além do mandato de Bolsonaro. Afinal, há muitos liberais brasileiros que taparão o nariz, mas embarcarão nessa canoa.

Eles deveriam pensar duas vezes. Essa nova plataforma diplomática inviabiliza a agenda reformista de Paulo Guedes e Sergio Moro. Em ambos os casos, os planos de governo demandam adesão a mais compromissos internacionais, abrindo o Brasil ao mundo sem medo.

Não se trata de submissão. Ao contrário do que diz a mentira em voga, o Brasil nunca aderiu a um acordo que demandasse cessão de soberania. Trata-se de produzir políticas públicas de boa qualidade. E elas são incompatíveis com um projeto iliberal travestido de patriota.


Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 10/01/2019. https://www1.folha.uol.com.br/colunas/matiasspektor/2019/01/plataforma-diplomatica-da-ultradireita-ganha-forca.shtml

 

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Sem âncora diplomática, América do Sul fica à deriva https://neai-unesp.org/sem-ancora-diplomatica-america-do-sul-fica-a-deriva/ Tue, 24 Jul 2018 15:01:29 +0000 https://neai-unesp.org/?p=3644 “Não podemos admitir novas aventuras antidemocráticas [em nosso continente]”, disse Lula no Palácio do Planalto. Era julho de 2010, e o presidente estava no auge de sua influência pessoal.

Enquanto se arrumava para tirar foto oficial ao lado de Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, decidiu fazer uma brincadeira: “Com certeza vai ter manchetezinha amanhã: Presidentes do ‘eixo do mal’ celebram encontro”.

Naquele momento, o auge não era apenas da influência pessoal do presidente, mas também da capacidade de o Brasil moldar seu ambiente externo.

O país estava longe de ser uma potência regional clássica. Não tinha recursos militares para impor sua vontade à marra na vizinhança, como o faz a Rússia a sua volta.

Tampouco tinha disposição para custear instituições regionais densas e com capacidade de resolver de modo eficaz os problemas típicos da ação coletiva, como o faz a Alemanha na Europa.

No entanto, o Brasil tinha, sim, condições de organizar o seu entorno regional.

Parte dessa história era econômica. O ABC paulista virara o centro de gravidade da atividade industrial na América do Sul, e o país gozava da posição de principal comprador, vendedor e investidor em seus principais vizinhos.

Mais que isso, o ajuste fiscal exitoso de FHC e do primeiro governo Lula haviam arrumado as contas públicas, principal recurso de poder do Brasil no sistema regional. Contas arrumadas, afinal, alinham as moedas dos vizinhos ao real e abrem as portas para um tipo de interdependência econômica que é sempre benéfica aos interesses brasileiros.

Parte da história era política. O Brasil da época havia construído um acervo sólido de contribuições à estabilidade regional. Montara uma parceria inédita com a Argentina e criara uma rede de relacionamentos antes impensável. A integração regional ocorria por meio de grandes obras de infraestrutura com capital e tecnologia do país.

Isso, por sua vez, permitia ao Brasil jogar seu peso em favor das regras do jogo que mais lhe convinham, como é o caso da norma da democracia.

Aquele mundo, entretanto, acabou. E com sua morte chegou ao fim também o ordenamento regional inventado em Brasília desde os primeiros anos da Nova República.

Nossa incapacidade de reagir ao descenso da Nicarágua de Ortega ao autoritarismo mais escancarado —assim como ocorreu com a crise da Venezuela — apenas ilustra o problema.

A norma democrática está rachada e novos conflitos pipocam por toda a vizinhança, mas o Brasil não mais funciona como âncora da estabilidade regional.

Um dia, essa situação será revertida. Por enquanto, trata-se do fim de uma era.


Publicado na Folha de S. Paulo, 19/07/2018.

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Unasul precisa ser chacoalhada, não fechada https://neai-unesp.org/unasul-precisa-ser-chacoalhada-nao-fechada/ Thu, 26 Apr 2018 19:11:01 +0000 https://neai-unesp.org/?p=3431 A notícia pegou todo mundo de surpresa. Sem anúncio prévio ou vazamento à imprensa, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru suspenderam a participação na Unasul (União de Nações Sul-Americanas).

O propósito é quebrar o impasse sobre a eleição do novo secretário-geral do organismo, acéfalo há mais de um ano. Sem secretário-geral, a Unasul fica à deriva, pois seus mecanismos deixaram de operar e o trabalho da burocracia emperra.

A crise é grave. Responsável por quase 40% do orçamento do organismo, o Brasil acumula uma dívida que chegará a R$ 37 milhões até o fim deste ano. Os governos argentino e colombiano cogitaram a possibilidade de abandonar o barco, e o futuro da instituição nunca foi tão incerto.

A chacoalhada era inevitável.

A performance da Unasul na provisão de bens públicos regionais deixa muito a desejar. Quando a natureza do problema é transnacional —como é o caso da epidemia de zika, do crime organizado e do narcotráfico, por exemplo— a América do Sul precisa de coordenação regional para valer.

De quebra, a Unasul foi facilmente capturada por governos de plantão. Durante os últimos dez anos, ela fez vista grossa aos crimes do chavismo e aos ataques de Evo Morales e Rafael Correa contra as instituições de controle e a imprensa livre.

Ela também legitimou a tese segundo a qual seria bom privilegiar o capital sul-americano nas grandes obras de infraestrutura da região. Mas, quando investigações criminais revelaram o modelo pelo qual empreiteiras brasileiras e o Palácio do Planalto utilizavam dinheiro público para emplacar contratos superfaturados e financiar campanhas com dinheiro sujo por toda a região, houve silêncio sepulcral por parte da organização.

Em que pesem esses problemas, entretanto, seria um erro acabar com a Unasul. O organismo cumpriu sua função com rapidez quando houve situações críticas, como o embate territorial na Bolívia, em 2008, e o acirramento das tensões entre Colômbia e Venezuela, em 2010.

Sem a Unasul, o ambiente regional seria mais precário do que hoje. Num momento em que políticos de todas as colorações prometem resolver problemas sérios fechando fronteiras, um organismo regional de coordenação é o melhor espaço para encontrar soluções inteligentes.

A prioridade, portanto, não deveria ser a de desmantelar ou abandonar o organismo, mas reformá-lo para que possa cumprir seu papel direito. A fórmula para fazê-lo não existe, então terá de ser politicamente costurada.

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A ONU e o candidato fora do comum https://neai-unesp.org/a-onu-e-o-candidato-fora-do-comum-por-matias-spektor/ Thu, 06 Oct 2016 22:10:02 +0000 https://neai-unesp.org/?p=2090 Matias Spektor

Doutor pela Universidade de Oxford e professor de relações internacionais na FGV. Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo em 6/10/2016 (http://www1.folha.uol.com.br/), onde Matias é colunista.


 

Quando os embaixadores do Conselho de Segurança comunicaram à imprensa que António Guterres será o próximo secretário-geral das Nações Unidas, houve alívio mundo afora.

Como o secretário possui a tarefa quase impossível de nunca melindrar os cinco membros permanentes (China, Estados Unidos, França, Grã Bretanha e Rússia), o escolhido tende a ser medíocre. Não é o caso desta vez.

Guterres é um sopro de renovação depois de uma década de Ban Ki-moon, diplomata correto e empenhado, mas sem nenhum tipo de independência, criatividade ou liderança. Se nunca atrapalhou, Ban Ki-moon tampouco reformou uma organização esclerosada em que a ineficiência, e até mesmo a corrupção, ficam muitas vezes sem reposta.

É claro que os poderes de Guterres serão tão limitados quanto os de seu antecessor (e somente nas próximas semanas saberemos quais acordos ele costurou com a Rússia, país que mais resistência opunha a seu nome).

No entanto, os sinais iniciais são positivos. Basta lembrar que Guterres não era o vencedor natural. Pelo contrário, o cargo parecia estar destinado a nacionais da Europa do Leste, preferencialmente mulheres. Foram as novas regras do jogo de seleção que abriram caminho para o português.

Pela primeira vez em 70 anos, o Conselho de Segurança publicou uma lista de candidatos que se apresentaram em público, respondendo a perguntas sob o escrutínio da imprensa internacional. A publicidade dos procedimentos terminou limando os candidatos mais fracos. A opção por níveis de transparência antes inexistentes no processo seletivo é resultado da pressão da sociedade civil organizada.

Nessas sabatinas, Guterres provou ser o melhor dos 13 postulantes. Além de reconhecer os problemas da burocracia gigantesca que está prestes a comandar, num ato incomum, ele afirmou que a Europa não vai sobreviver se fechar suas portas à imigração, sinal de que pretende ter voz própria no exercício da função.

Não dá para esperar milagres. Neste momento da conjuntura global, os Estados Unidos e a Rússia encontram-se em confronto aberto na Síria. O programa nuclear da Coreia do Norte, o mar da China e a crise de refugiados na Europa dividem a comunidade internacional. De quebra, falta dinheiro para as 16 operações de paz em andamento. E num mundo onde o nacionalismo ganha força, o ideal cosmopolita das Nações Unidas perde fôlego.

O consolo é que, desta vez, a opção do Conselho de Segurança não foi pelo mínimo denominador comum, uma baita diferença na hora de escolher a pessoa que se dedica a juntar os cacos quando os cristais estão estilhaçados.

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