Deve o Paraguai preocupar-se caso a reforma trabalhista avance no Brasil? Afinal, o país guarani tem atraído indústrias brasileiras em ritmo acelerado nos últimos anos em função das facilidades ofertadas por sua lei de maquiladoras pareadas a um conjunto de outros fatores, brasileiros e paraguaios, que compõem um retrato de certa volúpia à migração industrial.

Se comparado ao Brasil, o Paraguai é um país de economia e dimensão geográfica pequenas. Em termos econômicos, os brasileiros são seu principal parceiro, recebendo a maior fatia de suas exportações (cerca de 35%, em 2016), sendo que em sua pauta exportadora figura o predomínio da eletricidade, seguida por produtos agropecuários como a soja e a carne. Além disso, apesar de oscilações em seu PIB, bastante vinculadas à performance da economia brasileira, o país pôde manter esse indicador no lado positivo das coordenadas, inclusive com projeção de crescimento de 4,2% para 2017. Considerando sua geografia, os paraguaios estão no centro da América do Sul e buscam explorar tal condição enquanto fator estratégico, ora por conta do acesso aos mercados vizinhos, ora levando em conta sua posição média entre o Atlântico e o Pacífico.

Mesmo cientes de sua condicionante continental e de sua dependência produtiva e de parceiros, os paraguaios optaram por não abrir mão de seu perfil agroexportador. Passaram, porém, a fomentar o aumento da participação de produtos industriais em sua exportação. Nesse sentido, a estratégia maquiladora tem dado resultados, ainda que sem a necessária diversificação de parcerias, pois o principal destino de sua produção continua sendo o Brasil.

Esse modelo industrial de exportação aliado a energia barata e vantagens (ao capital) pela estrutura trabalhista vigente no país (sem FGTS e contribuição sindical, maior carga horária semanal de trabalho e menores períodos de férias – chega a 30 dias após de 10 anos de trabalho – e de licenças maternidade e paternidade) fazem valer a pena a inserção industrial, inclusive ao se considerar o valor ligeiramente maior do salário mínimo paraguaio frente ao brasileiro. Os mais exigentes encontrarão um país com o perfil “estável” ostentado pelas agências de classificação Moody’s, Standard & Poor’s e Fitch, vasta mão de obra, baixa atividade sindical, níveis crescentes de escolaridade e um Estado a endividar-se com o Banco Interamericano de Desenvolvimento na diligência de investir, sobretudo, em infraestrutura. Considerando a importação para o mercado brasileiro, o processo demora apenas alguns dias, levando o país mediterrâneo a competir, em termos de atração do capital tupiniquim, com a China. Logo, os apelidos “Tigre guarani” e “China da América do Sul” não são estranhos à mídia.

Como resultante dessa conjuntura e tendo recebido maior impulso a partir da gestão Cartes (2013 -), as maquiladoras já exportaram no primeiro semestre deste ano mais que o dobro do acumulado anual de 2013, chegando a 166,6 milhões de dólares. No geral, os números ainda são baixos com relação ao PIB do país, porém a taxa de crescimento apresentada é significativa. Vale lembrar, a legislação que ordena a indústria de maquila é de 1997 e está em vigor desde o ano 2000, mas os dias atuais são o seu ínterim de maior vitalidade. O momento político-econômico que se arrasta no Brasil não deixa de ter sua parcela de importância para esse setor e, assim, a maioria (cerca de 80% de um total de 131 em junho, 2017) das empresas lá instaladas sob o regime de maquila é oriunda do vizinho lusófono.

Não obstante, em cena não figura apenas o situacionismo do capital. Se por um lado o mercado laboral da “China da América do Sul” atrai o empresariado sagaz, por outro, tal sagacidade também atinge o setor sindical de seus vizinhos. Destarte, a CUT brasileira, centrais argentinas (CTAT e CGT, por exemplo) e a paraguaia CUT-A (Central Unitaria de Trabajadores Autentica) firmaram uma parceria, preocupadas com as possibilidades de deterioração das condições de trabalho no Paraguai e dumping social.

Na esfera política, o crescente número de maquiladoras de capital brasileiro também gerou inquietações. No início deste ano, tanto o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), empresário e Presidente da Comissão para Assuntos Econômicos do Senado, quanto o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços do Brasil traduziam seu desassossego referente à migração de indústrias brasileira para o Paraguai. Alguns meses depois, tendo a Lei de Terceirização aprovada de antemão, busca-se a reforma trabalhista e, após modificações e promessas de modificações via medidas provisórias, bem como sua recente aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça, o texto reformista segue para o plenário do Senado.

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Seria prematuro e incerto estabelecer uma relação causal entre o melhor desempenho das maquiladoras paraguaias e as reformas no Brasil, mas é possível e, até mesmo importante, imaginar alguns desdobramentos dessa relação contingente, sendo que sua dimensão estaria na digestão econômica e social dos eventuais resultados.

Em linhas gerais, caso a reforma seja aprovada no Brasil, então seu sindicalismo deverá passar por um momento de introspecção e revisão, podendo afetar seus laços sindicais internacionais. Não seria uma questão de maior ou menor afinidade, mas de ordem orçamentária. Além disso, o país teria mais apelos à manutenção de suas indústrias em território nacional, competindo, então, com a volúpia paraguaia. Por outro lado, triunfando a hipótese da não aprovação da reforma, pode-se dizer que o sindicalismo manteria sua base orçamentaria e viria a angariar força política, com a possibilidade de transbordo para o Paraguai. Concomitantemente, o magnetismo das maquiladoras guaranis ao capital se conservaria e quiçá sairia fortalecido. (Seria interessante observar como o sindicalismo paraguaio patrocinado pela parceria com as centrais sindicais argentinas e brasileiras se desenvolveria frente ao fortalecimento do setor maquilador).

Logo, caso o foco seja o crescimento imediato das maquiladoras, o Paraguai tem motivos para se preocupar com uma eventual reforma trabalhista no Brasil, que, aliada à Lei de Terceirização, tenderá a fazer do Brasil um competidor intrigante às indústrias brasileiras que cogitam menores custos e relações empregador-empregado menos sólidas. Nesse sentido, é tentador afirmar, em tom de ironia, que o “gigante pela própria natureza” queira competir com as maquiladoras paraguaias ao buscar estabelecer uma involução reformista.

Afinal, produzir o mesmo bem a custo reduzido não nos torna essencialmente competitivos, talvez isso ocorra num curto prazo. Mas sem inovação e a capacidade de adaptar-se a novas dinâmicas e produções diferenciadas a rivalidade da indústria do Brasil estaria mais inclinada a tangenciar o efêmero. No final de 2016, Carlos Henrique de Brito Cruz, Diretor Científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), comentava a prevalência da participação do Estado no investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (75% é a média mundial de investimento em P&D feita pelo setor privado, no Brasil, 47%). Para ele, não é a mentalidade do empresariado a grande vilã dessa condição, contudo uma conjuntura de protecionismo, autoexclusão de acordos comerciais mundiais,  altos custos trabalhistas e complexidade tributária, além da carência de capital humano com uma educação que estimule tanto o desenvolvimento intelectivo, quanto o método científico.

Quanto à educação, parece que nos congelamos na contramão via PEC dos gastos, sem resistência da mentalidade do empresariado, aparentemente míope. A Reforma de tributos é um sonho distante. Atacamos os custos trabalhistas. Não nos sentimos industrialmente competitivos para uma inserção internacional mais ampla (as negociações de Doha e o acordo com a União Europeia atestam tal predicado). Portanto, não parece que o Brasil esteja no caminho certo para o desenvolvimento industrial competitivo de fato.

Deve então o Paraguai se preocupar caso a reforma trabalhista avance no Brasil? Para além do sistema maquilador, estratégias de longo prazo podem minimizar o aguçamento momentâneo da competitividade brasileira à atração do próprio capital brasileiro, afinal as mudanças no Brasil assumem o contorno de dumping social para soluções imediatas. Pois, por aqui a dinâmica de sustentação empresarial parece não se apoiar em um projeto de melhor inserção internacional, mas, pelo contrário, numa provável breve aventura fundada no trabalhador.