We have united for the better. Europe is our common future“.

Foram essas as palavras encontradas pelos líderes europeus no dia 25 de Março de 2017 para declarar sua esperança de que permaneçam juntos e comprometidos com o futuro do bloco europeu. O discurso foi vivamente pronunciado durante a cerimônia do 60º aniversário da assinatura do Tratado de Roma.

Era 1957, numa fase já definida da reconstrução do continente no pós-guerra, quando os representantes de seis países europeus (Alemanha, Bélgica, França, Itália, Países Baixos e Luxemburgo) se reuniram na capital italiana para a assinatura do Tratado, o qual estabeleceu a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atômica (EURATOM) – que se juntaram à já então criada Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), em 1951. A criação de um Mercado Comum tivera como objetivo a integração do comércio e a constituição de uma área econômica forte e politicamente representativa de uma união entre os países da Europa e seus povos, ao mesmo tempo em que garantia a livre circulação de bens, serviços e capitais.

Sessenta anos depois, as celebrações pelo aniversário da assinatura do Tratado foram marcadas por um clima de tensão e preocupação acerca do futuro da UE, de sua própria identidade, da difícil legitimidade da mesma perante os cidadãos europeus e da dificuldade de se estabelecer uma ação comum diante dos problemas atuais enfrentados pelo bloco. A crise financeira da década passada e a mais recente crise migratória e humanitária têm colocado em evidência as dificuldades da UE em garantir maior estabilidade aos seus membros, da mesma forma que revelou o impasse em convergir numa solução comum no enfrentamento de suas adversidades, deixando, em muitos casos, que o medo e os interesses nacionais se colocassem acima da cooperação e da ideia de comunidade estabelecida entre os países do bloco. Essas dificuldades, entre outros fatores, permitiram o fortalecimento de movimentos populistas e de extrema-direita, cujas históricas insatisfações com a UE têm ganhado, cada vez mais, reverberações nas sociedades europeias.

Celebrar os sucessos e aprender com os fracassos

A Declaração de Roma, documento elaborado na cerimônia, apresentou uma visão positiva do percurso realizado pelo bloco desde sua criação, ressaltando os objetivos alcançados com sucesso e o orgulho em ver como “o sonho de poucos tinha se transformado na esperança de muitos”. Em Roma, a Europa dos 27, uma vez que o Reino Unido não estava representado no encontro (não há nenhuma referência explicita ao Brexit, se não para citá-lo como exemplo do perigo e ameaça populista no bloco), comprometeu-se a olhar para um caminho comum, embora com velocidades diferentes, conforme pedido pelo ministro das Relações Exteriores polonês, Witold Waszczykowski, e apoiado pelos outros países menores e menos competitivos. O Presidente francês, François Hollande, já havia declarado anteriormente que “unidade não quer dizer uniformidade”.

A Declaração, portanto, mira a uma Europa mais:

  1. segura, determinada a combater o terrorismo e o crime organizado, com o intuito de garantir a segurança e a livre circulação dos europeus;
  2. próspera e sustentável, capaz de criar crescimento e postos de trabalho, e com uma união monetária completa cuja moeda possa ser forte o suficiente para criar ainda mais coesão, competitividade, inovação e intercâmbio, sobretudo para pequenas e médias empresas;
  3. social, capaz de promover o progresso social e econômico (emprego, inclusão social, luta a pobreza e a discriminação, incentivos educacionais e profissionais para os jovens) considerando os diferentes sistemas nacionais. Uma união que preserve a herança cultural e promova a diversidade cultural;
  4. forte globalmente, desenvolvendo e construindo novas parcerias com seus territórios vizinhos, bem como em escala global; mas, sobretudo, uma união comprometida com o reforço da própria segurança e da defesa comum.

As propostas apresentadas e as sugestões oferecidas pelos participantes na elaboração da Declaração reuniram os “sonhos distintos” de todas as tendências políticas e sociais atualmente presentes no continente: tendo em consideração as visões dos grupos que miram à criação de uma federação europeia – conforme o projeto europeu inicial – e que portanto sentem-se insatisfeitos por haver “pouca Europa”; bem como dos grupos opostos que reclamam a independência e soberania nacional nesta “demasiada União” – o histórico confronto de visões entre os adeptos de uma Europa federal e os defensores de uma Europa intergovernamental. Até ao final do ano, os líderes da UE apresentarão aos governos nacionais as “velocidades e intensidades diferentes”, que deverão materializar-se em seis iniciativas nos âmbitos sociais da união, defesa, terrorismo e melhor governança coletiva.

A elaboração da agenda tem levado em consideração também os fracassos da UE nos últimos 65 anos. Entre as linhas da Declaração, há um velo de tristeza e um sentimento de indignação pelo que a Europa poderia ter feito, mas que não foi capaz de instituir para evitar algumas situações desestabilizadoras. Entre elas, e também a com repercussões que serão significativas no próximo período, há o caso da saída do Reino Unido da integração europeia. O Brexit foi considerado pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, como “uma tragédia”.

Difuso entre as instituições europeias fora o medo de que o episódio do Brexit servisse como exemplo para incentivar o discurso populista de líderes contrários a UE nos mais diversos países do bloco e que tais políticos pudessem se servir da conjuntura para chegar ao poder. Muito temida fora a eleição nos Países Baixos, onde o candidato contrário à UE, Geert Wilders, obteve um número significativo de assentos no Parlamento. Aguarda-se com temor a chegada das próximas eleições presidenciais na França, onde o partido Frente Nacional, de Marine Le Pen, avança com um profundo discurso populista e anti-UE.

A crise financeira da zona do euro aumentou a desconfiança com a UE, alimentando ainda mais aquele sentimento de que as instituições europeias possuem um papel de penalização perante os Estados-membros mais fracos. Exemplar foi o desabafo de Alexis Tsipras, Primeiro-Ministro da Grécia, ao ler no texto da Declaração que a UE fora caracterizada como a maior potência econômica com “níveis incomparáveis de proteção e bem-estar social”, chegando a pedir que Juncker confirmasse se os compromissos sociais valiam para todos os membros da UE, ou para todos com exceção da Grécia. A Grécia pede uma UE diferente, que diga não ao desemprego, ao medo, à pobreza e que seja mais orientada a cuidar das necessidades sociais. Papa Francisco também chamou a atenção dos líderes europeus afirmando que o bloco estará destinado ao fracasso total se não voltar a ter em consideração as necessidades dos cidadãos. A ideia de hoje é que a Europa e suas instituições agem bem longe dos interesses e das sensibilidades locais.

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A Grécia, assim como a Itália e outros países da fronteira sul da Europa, são também, hoje, palco de uma nova crise que demostra a fraqueza e as incapacidades da União. O bloco enfrenta sua pior crise migratória, mostrando uma paralisia na implementação de um plano de ação conjunto para contê-la. As fronteiras foram fechadas e abertas com base nos sentimentos dos Estados-membros. Aquela comunidade de paz, respeito entre os povos e direitos humanos parece estar se desintegrando frente ao medo do ‘outro’.

Desafios Futuros

Hoje a insatisfação com a Europa é crescente. “A Europa foi um sonho que se transformou em um pesadelo. Queremos mais direitos e uma vida melhor”, afirma o cidadão italiano Mario de Giorgi. “[O] Euro é uma moeda assassina; está destruindo o mundo“, reclama Chiriac Tiberiu, membro de um partido político anti-establishment da Romênia, levantando o pensamento agressivo e anti-UE de outros tantos movimentos políticos espalhados pela Europa inteira. Mas se de um lado a insatisfação está ligada aos problemas derivados da criação da zona do euro e da perda de soberania nacional em detrimento das instituições comunitárias, é também verdadeiro o sentimento de desumanidade que uma parte dos cidadãos europeus enxerga na forma imoral como o bloco (não) está agindo em relação aos conflitos contemporâneos e às suas consequências.

É o caso do conflito na Ucrânia, ou da guerra na Síria, que demonstraram a inabilidade da UE de permanecer unida e de responder de forma eficiente à gravíssima crise humanitária. Esta incapacidade de ação comum em algumas áreas também fora vista no fracasso da política migratória, vencida por discursos nacionalistas e protecionistas que foram se propagando como consequência, também, dos frequentes atentados terroristas que encontraram na UE um novo palco de apresentação. Essas ameaças violentas, assim como o medo do ‘outro’ (imigrantes) e da perda de bem-estar social (surgido após a crise financeira de 2008) foram elementos instrumentalizados estrategicamente nos discursos populistas e nas reivindicações de grupos de extrema-direita.

No meio disso tudo há ainda quem acredita no sonho europeu e tenta impor a voz popular acima dos interesses dos Estados e, sobretudo, das disputas partidárias nacionais. As capitais de países como a Itália, Alemanha, Bélgica e Polônia assistiram também a formas de protestos pacíficos em favor da União Europeia. “A Europa nos deu 60 anos de paz, sinto que preciso dar algo em troca”, falou o jovem italiano Mauro Armadi que foi a Roma para demonstrar seu apoio ao Tratado. O sueco Tobias Lundquist, de 26 anos, continuou na mesma onda afirmando que “com a UE, temos colocado de lado o nosso passado obscuro e temos resolvido nossos problemas sentando a uma mesa, e não no campo de batalha”. O que surpreendeu neste dia de celebrações, encontros e relembranças históricas foi a ativa participação da cidade de Londres, cujos cidadãos pediram para que a voz do povo fosse ouvida e que o resultado das urnas de Junho de 2016 (que deram início ao “Brexit”) fosse atentamente analisado. Cabe ressaltar que o dia 29 de Março de 2017 marcou o início das negociações com a UE pela saída formal do Reino Unido, embora haja, ainda, um grande número de pessoas acreditando que a decisão poderia e deveria ser revertida.

Numa resposta ao Brexit, as lideranças políticas da Escócia e Irlanda do Norte reforçaram o interesse de seus cidadãos em continuar a fazer parte da integração europeia, nem que para isso um referendo sobre a independência destes países em relação ao Reino Unido ocorra antes da formalização do Brexit. O sonho de construção de uma família europeia, conforme defendido pelo Primeiro-Ministro Britânico, Winston Churchill, em 1946, não está acabado. E, talvez, sem a presença do Reino Unido (Inglaterra), histórico contraponto aos avanços políticos comuns do bloco, tenhamos a conjuntura política necessária para presenciar uma ‘união cada vez mais íntima’ entre as nações europeias.

Mas é também para as novas gerações que a Europa deve olhar. Indivíduos que nasceram e foram criadas numa Europa unida e pacifica, em que é possível viajar, trabalhar, viver possuindo os mesmos direitos de qualquer cidadão local. Foram os jovens no Reino Unido que escolheram ficar na UE. Uma Europa que celebrou recentemente os 30 anos do programa Erasmus, o qual ajudou a criar entre as novas gerações um sentimento de identidade europeia, juntamente com a nacionalidade de cada um. Talvez seja a partir dessas gerações que a UE deva olhar para o futuro. Trabalhar por elas, criando melhores condições políticas, econômicas e sociais, prestando maior atenção às exigências delas, promovendo os valores fundadores da União não apenas com palavras, mostrando-se humana para com seus cidadãos e com aqueles que veem a UE ainda como um sonho do qual querem ser parte.