Alfredo Juan Guevara Martinez

Mestre em Relações Internacionais pela PUC-MG, doutorando no PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP), pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU) e do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP (IEEI-UNESP).

 

O legado de Obama nas relações dos Estados Unidos com Cuba concretiza mais um capítulo. A histórica visita do Presidente americano à ilha, não só é um gesto de vitrine política, mas sim mais um parafuso de segurança no processo de normalização que Obama iniciou no final de seu último mandato. Para compreender as implicações da estratégia promovida até agora pelo governo dos Estados Unidos, é necessário compreender também o que todo o processo da normalização até agora significa para Cuba.

A última vez que houve contato tão franco do governo dos Estados Unidos com o governo cubano, foi logo após a Revolução Cubana de 1959. Fidel Castro visitou os Estados Unidos sob a suspeita de que se tornaria uma potencial ameaça comunista (na época, o governo da Revolução ainda não se alinhara assumidamente com o bloco soviético). E a ocasião serviu para o novo governo cubano reforçar sua soberania e legitimidade perante um vizinho claramente desconfortável e descrente dos novos dirigentes cubanos. Não é preciso dizer que os esforços por uma relação saudável foram em vão, e rapidamente as relações de Cuba com os Estados Unidos passaram a ser uma relação de intensa contestação entre ambos acerca de seu modelo ideológico e político. Os Estados Unidos, por mais de 50 anos, adotaram a estratégia de ignorar, esperando que a interdependência econômica do sistema internacional desmoronasse o governo cubano. E Cuba, por sua vez, se manteve na posição de vitimada e obstinada, recusando-se obstinadamente a cumprir com as expectativas do país vizinho e mantendo, aos trancos e barrancos, seu sistema político quase intacto.

Agora, meio século depois, o que vemos com a normalização é a declaração, cansada e momentânea, do governo cubano de “vencemos”. A mudança de estratégia na política exterior dos Estados Unidos para Cuba é feita sem nenhuma mudança estrutural profunda no sistema político cubano. É o mesmo regime, os mesmos governantes, o mesmo sistema. Ainda assim há de se reconhecer que mudanças ocorreram não só no mundo, mas também em Cuba e nos Estados Unidos para que fosse possível esse novo cenário. O governo de Raul Castro (considerado menos radical que Fidel), promoveu sutis reformas no sistema econômico cubano, para tentar aliviar os efeitos de um embargo comercial quinquagenário e se adaptar aos efeitos da globalização – que em Cuba chega com uma década de atraso. Por parte dos Estados Unidos, a Guerra Fria já ficou no esquecimento de 20 anos, e a Guerra ao Terror roubou a atenção do mundo em 2001.

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A verdade é que os setores mais conservadores da sociedade americana que são contra a reaproximação e a mudança de estratégia parecem estar se comportando por obstinado orgulho, para não dar o braço a torcer ou admitir que o governo cubano “venceu”. Acontece que essa falta de visão ofusca a inteligência da estratégia nova de Obama. Reconhecer a soberania do governo cubano sobre temas polêmicos como direitos humanos e sistema político é uma forma de reintegrar Cuba na modernidade e permitir que a sociedade cubana evolua. A abertura da ilha invariavelmente vai levar à necessidade de cada vez mais reformas e transformações no sistema político do país. Basta verificar o impacto da internet livre em cada vez mais regiões de Cuba, e como aquele sinal precário de Wi-Fi atrai as pessoas da mesma forma que mariposas a luz.

O governo cubano, por sua vez, vai poder se concentrar mais em governar Cuba e menos no problema político e ideológico que sufoca o país, desviando atenção, tempo e recursos das questões domésticas. Afinal, não atribuir o peso que o embargo econômico americano tem nas crises econômicas financeiras em Cuba é tapar o Sol com a peneira. A verdade é que não há nenhum vencedor real. Na disputa de egos, os únicos prejudicados foram os cubanos, que não só foram radicalmente polarizados ao longo dos anos, como tiveram sua sociedade fragmentada por motivos políticos da esfera internacional.