A verdadeira crise dos nossos dias tem uma definição: a aceleração e a ampliação da desregulação do capitalismo fizeram com que os sistemas ficassem mais tecnocráticos do que democráticos. “As democracias enfrentam hoje uma série de problemas, mas em geral eles não são piores do que eram em qualquer época passada que queiramos mencionar”. Esta é uma das observações feitas numa interessante entrevista por Wolfgang Merkel, Professor de Ciência Política Comparada e Democracia na Humboldt University, Berlin.

Para ele, devemos olhar para os efeitos produzidos pelo capitalismo globalizado e desregulado, que empurraram a democracia para uma posição defensiva.

“Costumávamos falar em capitalismo tardio na década de 1970, mas enquanto isso o capitalismo rejuvenesceu. O problema da democracia não é a crise, mas o triunfo do capitalismo. A democracia ainda não atingiu seu limite. Seus males mais graves no início do século XXI são a castração da política pelos mercados (um ferimento auto-infligido) e a crescente exclusão dos estratos mais baixos da participação e da representação substancial. Ambas as deficiências podem e devem ser corrigidas. Se não são, uma pós-democrática e vazia concha pode ser tudo o que resta da democracia”.

Para Merkel, a desregulação dos mercados destrói os próprios mercados e compromete a coesão social das sociedades. Por isso, “o espírito da União Europeia não pode ser definido primariamente em termos de uma Lei da Competição. Os Estados nacionais devem se recusar a ceder competências para a EU enquanto na própria União não forem estabelecidos padrões democráticos comparáveis aos que existem nos Estados membros. Isso não é ser anti-europeu; é ser pró-democrático. Mercados financeiros devem ser sujeitos a rigorosos controles”.

Na entrevista, cuja íntegra está no link abaixo, Merkel também reflete sobre as possibilidades de uma retomada do compromisso socialdemocrático que fez a fortuna do Estado de Bem-Estar em vários países da Europa, graças a uma bem-sucedida articulação entre associações empresariais, sindicatos e Estado democrático.

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O “compromisso socialdemocrata” – ou mesmo o “corporativismo social-liberal” — pressupõe um difícil equilíbrio de poder entre os três mencionados atores. Durante as décadas dominadas pelo neoliberalismo, esse equilíbrio de poder foi deslocado em uma direção desvantajosa para o Estado democrático e os sindicatos. Deixou assim de existir uma base no poder político para o compromisso socialdemocrata. A tarefa que se tem pela frente, portanto, é a de devolver poder ao Estado democrático. Isso não pode ser feito sem que se recupere parte do território que foi cedido ao capital desregulamentado. As forças progressistas têm que admitir para si próprias que o capitalismo não pode ser dominado pela sociedade civil e por suas causas mais avançadas. O Estado democrático não é tudo, mas sem um Estado forte e democrático nossas sociedades não podem ser estruturadas razoavelmente”.

A entrevista de Merkel foi publicada pela plataforma digital Social Europe. Pode ser lida aqui.