O pedido de demissão de José Serra (PSDB) do Ministério das Relações Exteriores, por motivos de saúde, abre espaço para especulações acerca do novo nome que irá comandar a política externa brasileira até o fim do mandato de Michel Temer (PMDB), em dezembro de 2018.

Nomes como dos senadores tucanos Aloysio Nunes e Antonio Anastasia estão sendo ventilados como supostos ocupantes do cargo em aberto. A barganha política em torno de quem irá preencher uma das principais pastas do governo federal chama mais atenção do que o cargo a ser ocupado em si. Duas explicações para isso:

A primeira diz respeito a uma novidade desde a redemocratização: o balcão de negócios para indicar ministros chegou ao Itamaraty. Significa dizer que o nome do novo chanceler deve estar mais ligado à troca partidária de favores do que aos atributos para ocupar o cargo. Nas administrações do PSDB e do PT a chancelaria foi conduzida por profissionais de carreira ou por nomes de peso, com vasta experiência internacional (Celso Lafer, Lampreia, Celso Amorim, Antônio Patriota).

A segunda explicação tem pouco a ver com ambiente doméstico.

No cenário internacional, cujo nível de incerteza é bastante alto, o nome que ocupará o Itamaraty passa a ser secundário, dados os constrangimentos externos atuais. Se na primeira década do século XXI a ascensão econômica dos países em desenvolvimento, somada ao 11 de setembro e à crise financeira de 2008, abria perspectivas para novos arranjos diplomáticos e negociações políticas – BRICS (2009), IBAS (2003), UNASUL (2008), G-20 (primeira cúpula em 2008), acordo para reforma das cotas do FMI (2008) -, a segunda década tem apontado para o caminho de retração na projeção externa dos países em desenvolvimento.

O cenário é inquietante. Diminuição nas taxas de crescimento econômico dos países BRICS (como é o caso do Brasil), recuperação da economia norte-americana após a crise financeira (o que levou à necessidade de revisar as “teses declinistas” acerca do poderio da superpotência) e incertezas quanto às questões de segurança global. Basta olhar para a guerra civil na Síria e o imbróglio entre Rússia e Estados Unidos.

A dificuldade de projetar os próximos meses no ambiente externo ganhou novo ingrediente: a vitória de Donald Trump. Sua forma nada usual (ou tuiteira) de lidar com problemas complexos de política externa fazem parte do pacote de instabilidade do sistema internacional. Exemplos: a flexibilização da posição histórica dos Estados Unidos em relação à criação de um Estado palestino independente, o decreto que impede a entrada de refugiados e imigrantes de sete países, a briga pela criação de um muro na fronteira com o México e o descaso com questões ligadas ao aquecimento global.

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O rearranjo das políticas das grandes potências, a real politik, fornece pouca margem de manobra para posições mais soft power. Num cenário em que prevalece a incerteza quanto ao futuro da ordem global, a tendência é que os Estados calculem suas ações baseadas no jogo de soma zero: ganhos absolutos em detrimento de ganhos relativos. A onda nacionalista, que ainda precisa ser confirmada nas principais democracias europeias, questiona o multilateralismo – como já o faz Donald Trump – e procura caminhos que reduzam o custo das ações. A descrença no papel da ONU e de outros organismos internacionais é também sintomática.

Nesse contexto, o campo de ação do novo chanceler brasileiro será bastante reduzido. O ambiente regional, tomado por disputas partidárias e ideológicas, numa mudança mais ou menos clara de eixo programático no Brasil e na Argentina, também não parece favorecer, uma vez que seus líderes estão voltados para questões exclusivamente internas. Ainda assim, o engajamento na região parece ser a opção mais razoável.

A disputa em torno do nome que irá ocupar a vaga deixada por José Serra está relacionada com muito mais vigor ao contexto doméstico (a disputa pelo poder em Brasília), aumentando a possibilidade de um nome mais ligado à política e menos ao corpo diplomático. Expectativas: lá fora, Estados Unidos, China e Rússia irão demarcar os rumos da política internacional dos próximos anos, seja em questões ambientais, seja em questões de segurança e economia. Por aqui, parece um bom momento para revisarmos conceitos e teorias e procurar novos espaços de ação para a política externa brasileira.