Em 1867, foi lançado o primeiro livro de O Capital – Crítica da Economia Política, apresentando ao público as ideias de Karl Marx (1818-1883) sobre como o modo de produção capitalista se estrutura e funciona.

Marx era conhecido como filósofo e ativista político, com presença assídua na imprensa da época e nos movimentos políticos da classe trabalhadora. Prussiano, foi para Paris em 1843, envolvendo-se com as associações revolucionárias. Junto com Friedrich Engels, redigiu o Manifesto Comunista (1848), que teria extraordinária influência na política moderna. Em 1849, foi exilado e se mudou para Londres, em cujas bibliotecas elaborou O Capital.

Com o passar do tempo, o livro se tornou um clássico da Economia. 150 anos depois de sua publicação, continua indispensável.

Em linhas gerais, dois elementos são fundamentais na obra de Marx: a luta de classes, que separa os capitalistas dos trabalhadores, ou ainda, os detentores dos meios de produção e os detentores da força de trabalho, opondo uns aos outros; e o capital, o dinheiro que se transforma em mais dinheiro, buscando incessantemente sua valorização em escalas progressivamente crescentes.

No livro primeiro de O Capital, Marx mostra como, ao ser colocado no processo produtivo, o dinheiro se transforma em mais dinheiro, assumindo a forma capital, por meio do processo de extração do mais-valor (ou mais-valia), em que os capitalistas se apropriam de parte do valor do trabalho não pago, obtendo, dessa forma, o lucro do processo produtivo. Marx também descreve como os capitalistas se dividem em capitalistas funcionantes, aqueles que investem no processo produtivo, e em capitalistas monetários, aqueles que emprestam seu capital aos primeiros, recebendo, após certo período de tempo, um juro correspondente ao empréstimo realizado.

Michael Heinrich, matemático e cientista político da Universidade de Ciências Aplicadas de Berlim, é um dos principais estudiosos atuais do pensamento, da vida e da obra de Marx. É autor, entre outros, de Crítica da economia política: uma introdução e Como ler O capital de Marx. Em uma entrevista recente, observou que, embora O Capital se utilize de fatos históricos para embasar a análise teórica, não se trata de uma obra circunscrita a seu tempo. A obra retrata o capitalismo e as leis que o movimentam. A lei geral de acumulação, por exemplo, continua em plena vigência até os dias de hoje. Segundo ela, o capital se autodetermina, sendo o único limite à sua valorização, pois sua autonomia advém de sua capacidade de ser reinvestido em escalas cada vez maiores ao fim de cada ciclo produtivo, visando obter lucros sempre maiores ao final de cada processo.

A lei geral de acumulação aponta ainda que a concorrência é elemento fundamental do modo de produção capitalista. Mais uma vez, é possível perceber a atualidade da obra de Marx ao observar-se que a concorrência entre os grandes capitalistas torna-se cada vez mais acirrada. Os processos de concentração de capital, via concentração dos meios de produção nas mãos de poucos capitalistas, e de centralização de capital, por meio das fusões e aquisições, podem ser identificados a partir de uma análise das grandes corporações capitalistas de diferentes setores: apesar das muitas marcas disponíveis no mercado, dos ramos alimentícios aos de tecnologias e telecomunicações, trata-se de poucas empresas responsáveis pela oferta de bens e serviços.

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Marx deixou ainda indicado que o capital avançaria em sua forma capital produtivo, expandindo-se às formas capital monetário, capital a juros e capital fictício, que, mais à frente, forneceriam a base para que outros autores, como Hilferding, desenvolvessem o conceito de capital financeiro. Hoje, a dominância do capital que se valoriza sem passar pelo processo produtivo, embora as esferas real e fictícia estejam intrinsecamente conectadas, confirma a teoria proposta por Marx de que o capital busca sua autonomização.

Dois pontos levantados por Marx em O Capital merecem ainda destaque pela contribuição decisiva que dão à compreensão do capitalismo contemporâneo. O primeiro remete à luta de classes e à forma como as relações econômicas de troca encobrem as relações sociais. Marx falou em “fetichismo” da mercadoria para explicar como as simples trocas de mercadorias na verdade ocultavam a luta pela apropriação do mais-valor. Afinal, as mercadorias em geral são fruto da mercadoria força de trabalho colocada no processo produtivo, mercadoria esta considerada especial por ser a única capaz de criar valor. Ainda hoje a luta de classes é característica marcante da sociedade capitalista, ainda que assumindo formas novas e surpreendentes. Para além de burgueses e proletários, há uma intensa estratificação da sociedade, que tende a concentrar massas gigantescas de capital nas mãos de uns poucos capitalistas.

Ao longo de toda sua obra, Marx ressaltou as contradições do modo de produção capitalista e como tais contradições tendem, e levam, inevitavelmente, a crises econômicas. Estabeleceu uma espécie de cláusula pétrea da análise do capitalismo. Ao longo dos últimos séculos, as crises têm sido recorrentes e cada vez mais acentuadas.

Michael Heinrich, em outra entrevista, destacou que os escritos de Marx, além de caracterizarem a estrutura do capitalismo, já indicavam a impossibilidade de se evitar crises, tratando-se de uma análise do sistema e não de uma previsão sobre seu futuro. Apesar da relevância da análise de Marx, que há 150 anos já descrevia as desigualdades e contradições do capitalismo, alguns autores da atualidade, como o francês Thomas Piketty, conhecido autor do O Capitalismo no Século XXI, são vistos como grandes inovadores ao apontarem a existência dessas desigualdades, como se as tivessem descoberto. É um fato que evidencia a necessidade de se retomar constantemente a obra de Marx a fim de que suas ideias não sejam esquecidas e recebam o devido crédito.