No dia 18 de maio, o senador José Serra (PSDB) tomou posse como ministro das relações exteriores do Brasil e, em seu discurso de posse, fixou dez diretrizes para uma nova política externa. A primeira delas trata especificamente da ideologização da política externa brasileira, nos remetendo a uma questão importante: uma política externa é uma política de Estado ou de governo?

A política externa representa os interesses e objetivos do Estado no plano internacional e, por conseguinte, sua definição e implementação é prerrogativa do Estado. Toda política externa pode ser definida como um conjunto de decisões e ações de um determinado ator (Estado ou outros) em relação a atores externos, formuladas a partir de oportunidades e demandas de natureza doméstica ou internacional.

De modo geral, a política exterior resulta de um esforço de compatibilizar necessidades internas com possibilidades externas, apresentando, normalmente, certa linha de continuidade.

Partindo deste entendimento, como a política externa representa os interesses nacionais (que, em tese, são permanentes) ela é uma política de Estado, apresentando relativa continuidade. Alguns diplomatas e acadêmicos também acreditam que as ações externas do país devem ser pensadas no longo prazo e de forma isenta, justamente como uma política de Estado.

Mas será mesmo que a política externa, por ser uma política de Estado, não carrega viés ideológico ou partidário?

Em um regime presidencialista e democrático, o responsável pela formulação da política externa é o presidente da República. Essa formulação é obviamente resultado de coalizões, barganhas, disputas e acordos entre representantes de interesses diversos. O papel do MRE, nesse caso, é conduzir a política externa por delegação da presidência.

A questão da politização da política externa é discutida em Lima e Duarte (2013), sobretudo por meio de análise dos governos Lula (2003-2010), uma vez que tais governos são alvos de intensas críticas, principalmente com relação à política externa para a região sul-americana. Tais críticas acusam a política externa de Lula de ideológica e partidária.

A discussão sobre ideologia e política externa voltou à tona quando, em seu discurso de posse, o atual ministro das relações exteriores, José Serra, declarou que a política externa conduzida por ele “será regida pelos valores do Estado e da nação, não do governo e jamais de um partido”. Ao mesmo tempo, já em seus primeiros dias como ministro das relações exteriores, foi criticado por uma ideologização pelo outro lado, visto que a aproximação prioritária é com governos mais alinhados ao discurso liberal, como da Argentina e do México.

Rubens Ricupero, diplomata de carreira, argumentou em entrevista à revista Época (2016) que tal crítica não tem fundamento, visto que o governo Lula, por exemplo, buscava uma relação especial com países como Nicarágua e Cuba, “com os quais nós nunca tivemos tantos vínculos nem comerciais nem econômicos, nem de nenhuma natureza”, e que foram convertidos em “parceiros preferenciais porque são bolivarianos”. Temer e Serra, ao contrário, buscam se aproximar de Argentina e México, que são “os dois maiores países latino-americanos e os únicos que têm um peso específico comparável ao Brasil pelo tamanho do território, pelo tamanho da economia, da população. […] Formam com o Brasil os três maiores países da América Latina”, e o fato de manterem uma relação estreita é “imposição da própria realidade”.

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O que deve ser salientado aqui é que Serra não afirmou que sua política externa seria isenta de ideologia, até porque, como mostrado anteriormente, esta seria uma tarefa praticamente impossível. Ele quis ressaltar que os valores que regiam a política externa anterior valeram naquele momento e que, agora, a política externa deve seguir outro direcionamento, mais condizente com os objetivos da atual gestão.

Sua fala, de algum modo, repôs na mesa de discussões algo que já parecia ter sido equacionado: será possível uma política externa contínua, pensada no longo prazo e imune de orientações e preferências governamentais? Será que as críticas à condução da política externa de Lula e Dilma Rousseff ou aos recentes direcionamentos de Serra realmente fazem sentido, levando em consideração que, de uma forma ou outra, as ideologias e visões de mundo dos formuladores de política externa são sempre consideradas na agenda?

Sempre haverá um componente ideológico em qualquer orientação de política externa. Por isso, faz bem mais sentido verificar como a ideologia é usada. Para Lula e Dilma Rousseff, a aproximação com países da região e em desenvolvimento se mostrou foi uma estratégia, que tem suas razões e mostrou resultados. Ao contrário, a estratégia do governo interino está direcionada ao comércio e ao relacionamento com países mais centrais. Pode-se dizer que em um caso o alinhamento político-ideológico era mais claro e tinha valor em si, ao passo que no segundo caso o alinhamento está mais condicionado e dissimulado. Mas em ambos podem ser localizadas interferências ideológicas. Logo, ideologia sempre existirá, mudando apenas o foco.

Uma política externa engessada e imutável se torna uma política fraca, dado que não consegue lidar com as constantes alterações no cenário internacional. Sendo assim, a definição e a execução da política externa é prerrogativa do Estado, mas os grupos de interesse, a correlação de forças, as coalizões e o partido político à frente do governo definem a política externa. Não fosse assim, não haveria diferença entre FHC e Lula ou Dilma e Temer, visto que o Estado brasileiro não mudou de um para o outro.