A decisão do diretor do FBI, James B. Comey, de retomar as investigações contra a candidata democrata Hillary Clinton acrescentou mais tensões ao suficientemente controverso cenário eleitoral norte-americano. Em uma carta encaminhada ao Congresso, Comey alegou que a descoberta de novos e-mails da ex-secretária de Estado, a partir da investigação de outro “caso não relacionado”, supostamente poderia ter utilidade para a continuidade do processo. As circunstâncias, porém, são delicadas, pois o caso já havia sido arquivado e as denúncias foram feitas a uma semana das eleições, em um momento em que todas as pesquisas pareciam garantir a vitória a Hillary.

O acontecimento reacende a polêmica sobre o uso das contas de e-mail pessoais por Hillary Clinton, enquanto ocupava seu cargo no Departamento de Estado (2009-2013). Dada a sua gravidade, o tema esteve presente em todos os debates televisionados, despertando posturas agressivas por parte do candidato republicano, Donald Trump, que vem bradando em seus comícios o mote “Lock her up” (“prendam-na”). As reações de Hillary, em contrapartida, variaram do reconhecimento do erro à continuidade das acusações, mencionando a divulgação do conteúdo dos e-mails pelo site Wikileaks, o qual, segundo a candidata, vinha recebendo auxílio externo russo e favorecendo Trump na corrida presidencial.

Agora, Clinton busca reduzir os danos e desviar a atenção midiática para a conduta do diretor do FBI. Segundo líderes do Partido Democrata, a atuação desse último se choca com o Hatch Act de 1939, que proíbe ocupantes de cargos executivos (com exceção do presidente e vice-presidente) de adotar posicionamentos políticos durante o exercício de suas funções. Assim, Comey tem sido acusado de se posicionar ilegalmente do lado republicano. Na prática, a divulgação não afetou a liderança de Hillary, em primeiro momento, que permanecia com cerca de 45% das intenções de voto contra 41% de Trump. Todavia, o abalo contribuiu para encurtar a distância entre os dois, que, após as denúncias encontravam-se em condição de empate técnico.

Leia mais:  Macron conseguirá?

Apesar disso, os questionamentos levantados pelo ocorrido são mais amplos que a disputa eleitoral. Interrogações acerca das reais motivações e, sobretudo, do timing do FBI em relação à reabertura do processo não deixam de vir à mente, considerando a proximidade das eleições. Essa situação reforça a percepção de que tanto o mundo, quanto os cidadãos americanos conhecem pouco o funcionamento das instituições do país. Mesmo cobrando transparência por parte dos governos de seus pares internacionais, os EUA sustentam uma burocracia densa e emaranhada, na qual normas e funções se sobrepõem.  Essa última, por seu turno, só faz se distanciar da realidade doméstica dinâmica da nação estadunidense, marcada pelo aprofundamento de desigualdades e por conflitos sociais intensos. O desencanto e a baixa participação do eleitor médio começam em Trump e Hillary, mas não se resumem a eles: o vácuo é mais profundo e a descrença é institucionalizada.