Após um início de século XXI perturbador para os que acreditavam na ordem global liberal e no fim da história (vigente desde a derrocada soviética), chegamos a meados da década de 2010 em um cenário de poucas certezas e muitos questionamentos. Estaria a ordem global em transformação?

Para boa parte dos especialistas em política internacional, o ano de 2001 é um ponto de inflexão na ordem global. Os ataques às torres gêmeas deflagraram um cenário de incertezas quanto à capacidade de defesa dos Estados Unidos diante de novas formas de guerra. A resposta norte-americana narrada pelo medo em forma de lei, o Ato Patriota, somada à “guerra ao terror”, da administração Bush, foi desastrosa do ponto de vista da estabilidade internacional. A decisão de atacar o Iraque à revelia do Conselho de Segurança não só fragilizou ainda mais a ONU, como desestabilizou a região do Oriente Médio, criando espaços propícios para o surgimento de grupos insurgentes e outras milícias.

Na economia, a crise de 2008 deu indícios de tempos difíceis, acelerando as narrativas em torno do declínio dos Estados Unidos e da emergência de um mundo pós-americano (Zakaria) pari passu à consolidação da ascensão chinesa como potência econômica e credora-mor da dívida americana. A reboque da crise financeira, novos arranjos políticos, como o BRICS e o G20, ganharam significância, ainda que o simbolismo e a retórica pareçam sobrepujar a ação política.

A primavera árabe, por seu turno, trouxe à tona forças sociais internas até então esquecidas pelos estudiosos. As convulsões sociais, não obstante tenham produzido poucas mudanças e muitas rupturas, deram luz a um cenário de disputa regional e retraída capacidade de ingerência norte-americana.

Soma-se a isso uma Rússia em expansão no seu espaço tido como vital, bem aos moldes das potências europeias de outrora. Além disso, para complicar ainda mais o cenário, uma participação russa cada vez mais ativa na região do Oriente Médio, área de influência geopolítica histórica dos EUA desde o fim do seu “isolacionismo”.

Se o poderio político-militar dos Estados Unidos foi colocado em xeque, sob a ótica econômica o país continua a determinar as flutuações do capital. O poder global do dólar determina, sobremaneira, o fluxo dos investimentos internacionais. A sinalização do FED em torno da taxa de juros desorganiza os países “dependentes”. Em particular, a América Latina sangra em sua vulnerabilidade típica da periferia do capital.

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As instituições internacionais ainda servem aos mais fortes. O reformismo atribuído aos chamados países BRICS esbarra na incapacidade ou na falta de vontade política de produzir consensos e mudanças. A aproximação cada vez mais evidente entre russos e chineses é motivo de atenção. No entanto, a pergunta central que fica é: até onde a cooperação não esbarrará na competição de dois gigantes?

E no plano discursivo, podemos encontrar respostas em relação ao futuro da ordem global?

Em 2011, com o país ainda se recuperando da crise financeira, o presidente Obama falou sobre as prioridades da política externa norte-americana, deixando claro que se estava em um momento de “retraimento político global”.  Mais tarde, com menor responsabilidade, a candidata à presidência dos Estados Unidos, Hillary Clinton, em recente discurso, argumentou que “os EUA não podem resolver sozinhos os problemas mais urgentes do mundo e o mundo não pode resolvê-los sem os EUA”.

Do outro lado do globo, ao mostrar um renovado poderio bélico na Síria, o presidente russo, Vladimir Putin, mandou um recado: “Eles também viram agora que a Rússia está disposta a usar seu arsenal bélico, se isso for do interesse de nosso país e do nosso povo”.

A Europa, atolada na crise desde 2008, é parceira certa dos americanos. No entanto, luta para manter a coesão do bloco – mediante os custos sociais transferidos para os países periféricos, a exemplo da Grécia.

No Brasil, a atenção está toda voltada para as questões domésticas, como há tempo não se via. O poder das ideias atribuído à diplomacia brasileira esbarra em uma ordem política avessa às mudanças na hierarquia de poder.

Poucas respostas e muitos questionamentos. Terminamos como começamos. Se há um ambiente em que as disputas aparecem de forma mais clara, este é o ambiente interno. Os questionamentos internos e a busca por novos modelos de políticas públicas ditam a quebra de braço das relações sociais. Nesse sentido, encontrar respostas no âmbito doméstico parece um bom caminho para quem se dedica às relações internacionais, mesmo parecendo paradoxal.