Após o atentado de 12 de junho que deixou 50 mortos numa boate gay em Orlando, Estados Unidos, o debate eleitoral ganhou novo impulso. Com o encerramento do período de prévias, tanto Hillary Clinton quanto Donald Trump passaram a explorar o assunto como prioridade e, de certa forma, contribuíram para que se desenhasse uma agenda eleitoral pós-Orlando. Três temas, entre outros, deverão merecer atenção na disputa daqui por diante.

A primeira delas tem a ver com o reforço da narrativa do medo e a discussão sobre o papel dos Estados Unidos no mundo. Após massacre de domingo, tanto o terrorismo islâmico quanto a violência doméstica proveniente da cultura de armas ocuparam o centro do debate público, o que terá implicações tanto no programa social de cada candidato, quanto em sua política externa.

Como disse o sociólogo francês Raymond Aron no clássico The Imperial Republic (1973), os EUA possuem ‘identidades gêmeas’ que fazem do país ao mesmo tempo um poder ‘imperial’ e uma simples ‘república’. Neste sentido, como sugeri no livro As Ideias Importam: O Excepcionalismo Norte-Americano no Alvorecer da Superpotência, a autoimagem dos estadunidenses poderia conduzir o país tanto a políticas que se baseiam no ‘exemplarismo’ quanto a estratégias amparadas no senso de ‘cruzadismo missionário’. No primeiro caso, o país é colocado como uma ‘cidade acima da colina’ ou como a ‘terra prometida’, que deve ser, antes de tudo, protegida. Reforça-se a necessidade de ‘olhar para dentro’ e o interesse de resguardar-se de qualquer adversidade vinda ‘de fora’. No segundo caso, é reforçada a perspectiva que vê os EUA como um ‘farol’ capaz de revelar o caminho da liberdade e da bonança. Destaca-se o compromisso moral da América e sua disposição em promover o ‘bem-estar global’. Até o momento, Donald Trump se lança como expressão do primeiro arquétipo; Hillary, como expressão do segundo. Diante do medo renovado em relação ao terrorismo, o que dirá o futuro?

A segunda questão que parece relevante no cenário pós-Orlando tem a ver com a acomodação das preferências eleitorais das minorias, particularmente dos imigrantes e da comunidade LGBT, grupos tradicionalmente propensos ao voto democrata. De acordo com o American Immigration Council, houve 18,1 milhões de ‘novos americanos’ registrados em 2012, o que representou quase 12% do total de votantes, tendo sido particularmente o voto latino quem decidiu a vitória de Obama naquele ano. Além disso, em 2012, dados da Gallup mostravam que o presidente teve o apoio de 71% da comunidade LGBT, enquanto Romney apenas 22%. Em 2009, a proporção havia sido de 70 a 27. Atualmente, há notícias de que 43% deste público se declara independente.

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Em uma eleição apertada e considerando a importância demográfica da Flórida (um dos principais colégios eleitorais do país), não surpreende que os atuais candidatos canalizem esforços no sentido de incorporar estes votos. A investida de Trump, por exemplo, apareceu por meio de discursos em que se comprometia a lutar pela comunidade LGBT enquanto Hillary deixaria ‘entrar no país mais gente que ameaça suas crenças e liberdades’. Também acusou a Clinton Foundation de receber doações da Arábia Saudita, um país que, segundo ele, ‘deseja matar os gays’. Hillary, por sua vez, dirigiu-se à comunidade LGBT afirmando que, como sua aliada, sempre estaria disposta a ‘have their back’. Além disso, reforçou a política de fazer publicações não apenas em inglês, mas também em espanhol e reiterou o combate à narrativa de fechamento das fronteiras. Diante de tudo, resta saber: a comoção acarretará mudanças nas preferências destes grupos?

Finalmente, é necessário considerar o peso do acontecimento do último domingo sobre a percepção de insegurança e incompetência relacionada ao governo Obama. De acordo com o último levantamento da Gallup, Obama tem hoje 45% de reprovação. Em fevereiro de 2016, 62% dos norte-americanos afirmavam que o governo não fazia o bastante para ajudar a classe média, cada vez mais representativa. Entre as principais preocupações, estariam aspectos econômicos e de segurança nacional. Além disso, o presidente foi considerado o pior presidente do país desde a Segunda Guerra Mundial, segundo uma pesquisa da universidade Quinnipiac divulgada no começo do mês. Com o atentado, prevalecerá a ideia de fragilidade que favorece a oposição feita por Trump ou abre-se uma oportunidade para que Clinton reforce a importância de reformas que Obama não conseguiu promover em função da dura oposição feita pelos republicanos no Congresso?

Os dados estão lançados. Agora é preciso esperar.

Texto originalmente publicado na seção “Tudo em Debate” do Estadão, em 17 junho 2016.