Os acontecimentos recentes da bolsa de valores de Shanghai têm alarmado analistas do mundo todo preocupados com a estabilidade da economia chinesa e da economia mundial. O Shanghai Composite Index (SCI), que é o índice de todas as ações negociadas na bolsa chinesa, caiu 8,5% em meados de junho, interrompendo um período de oito meses de crescimento recorde. Desde então, o preço destas ações despencou cerca de 30%, mesmo com uma leve retomada na primeira quinzena de agosto.

No final de outubro passado, o índice estava em 2.420 pontos. Em 12 de junho deste ano atingiu um pico de 5.166, valorizado em mais de 100%. Na última quarta-feira, 19/8/15, o índice fechou em 3.779,09 pontos.

Apesar de os números assustarem, sobretudo quando se trata da segunda maior economia do mundo, a queda deve ser tratada mais como uma correção do mercado acionário do que como uma crise generalizada. Vejamos o porquê.

Desde a crise financeira global, a China tem apresentado um modelo de crescimento, insustentável a longo prazo, de crédito excessivo e altos níveis de investimento como porcentagem do PIB (48% no ano passado, enquanto a média dos demais países é de 15% a 30%), o que criou vulnerabilidades nos setores fiscais, financeiros, empresariais e, sobretudo, imobiliários – o setor de construções inflou, o que gerou incertezas sobre uma possível bolha imobiliária no país.

A nova diretriz político-econômica do Politburo chinês desde o 12º Plano Quinquenal (2011-2015) tem sido, então, estimular o consumo doméstico para aliviar sua dependência em relação aos investimentos e às exportações. Nesse sentido, os mercados acionários foram vistos como um instrumento para fazer com que a população redirecionasse o dinheiro que usualmente poupava. Hoje, diferentemente dos mercados europeus ou estadunidense, que são compostos maiormente por investidores institucionais, o mercado acionário chinês é composto em cerca de 80% por pequenos investidores particulares que preferem operações chamadas “papai e mamãe” (futuro e opções de menor risco).

Com o progressivo descolamento entre os altos índices do mercado acionário e as baixas taxas de crescimento econômico produtivo (o crescimento do PIB tem o menor ritmo desde 2009), milhares de empresas chinesas começaram a vender suas ações. Na tentativa de reverter a queda inicial dos preços e sinalizar liquidez ao mercado, o governo chinês empregou uma série de medidas: diminuiu as taxas de juros, flexibilizou as restrições a empréstimos, suspendeu a oferta de novas ações temporariamente e indicou que acionistas que tivessem mais de 5% de participação numa empresa não vendessem suas cotas dentre os próximos seis meses. Além disso, o Banco Central chinês lançou um pacote de incentivos de US$ 19,5 bilhões para que corretoras mantivessem a compra das ações que perderam maior valor.

Tais medidas pareceram funcionar temporariamente durante a primeira quinzena de agosto, e o mercado de ações recuperou 5,8% de seu valor. Mas em seguida provocaram um “pânico” em efeito dominó entre os investidores inexperientes que, baseados na sensação de que uma crise estava por vir, optaram por retirar seu dinheiro deste tipo de investimento. Assim, o governo fracassou em restaurar a credibilidade no mercado acionário chinês e na economia da China como um todo.

Apesar da escala de perdas – a queda das ações chinesas em preço (US$ 3 trilhões) em apenas três semanas representou mais que o PIB da Grécia em 2014 (US$ 237,5 bilhões) -, esta inconstância deve ser perspectivada.

Primeiro porque o mercado de ações chinês, sendo composto em grande parte por pequenos investidores avessos ao risco e que seguem rumores (efeito manada), torna-se inerentemente mais vulnerável a instabilidades repentinas. Ao mesmo tempo, porém, as perdas são divididas entre 90 milhões de pessoas, e não entre apenas algumas grandes empresas. E mesmo com uma composição significativa de pequenos investidores particulares, segundo o jornal The Economist [veja aqui], menos de 15% do total de ativos financeiros familiares (como poupança) são investidos em ações. Apesar dos incentivos do governo para alavancar o consumo doméstico, as taxas de poupança do país continuam a ser extremamente elevadas.

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Além disso, comparativamente às bolsas ocidentais em termos de capitalização, os mercados bolsistas chineses permanecem marginais, e também são mais insulados. Eles são uma criação recente. A bolsa de Hong Kong é a mais tradicional, fundada em 1969. Já a bolsa de Shanghai, a de maior capitalização da Grande China, foi criada em 1990, no mesmo ano da fundação da bolsa de Shenzhen. Estão portanto longe de constituir o mais importante vetor de financiamento da economia. O valor das ações negociadas representa uma parcela muito menor da renda nacional do que nos países desenvolvidos ocidentais.

O setor bancário da China tem sido dominado por bancos estatais, que no passado emprestavam principalmente a empresas estatais, tanto por diretrizes políticas como para reduzir o risco. Ainda que, nos últimos anos, as empresas privadas tenham se tornado uma importante fonte de crescimento, elas só recorrem aos mercados financeiros em cerca de 25% do seu financiamento externo.

Como apontou o diretor da Silvercrest Asset Management e ex professor na Universidade chinesa de Tsinghua ao jornal The Guardian [veja aqui], “o que a China tem não é contagioso, ao menos não diretamente”. Isso significa dizer que, embora os alardes de uma crise financeira vinda da China “a là crise de 1929” sejam exagerados, certos efeitos indiretos desta instabilidade financeira podem ser sentidos pelos demais países do sistema internacional.

Isto porque a queda de confiança de empresas e de consumidores no mercado acionário chinês e na economia como um todo pode levar a uma fuga de capitais não só da China, mas de outros mercados emergentes que mantém estreita relação comercial com o país. Processo que pode ser intensificado no caso de uma ainda maior desvalorização do Renminbi (人民币 – RMB ou CNY – “Moeda do Povo”) frente ao dólar, que já se encontra desvalorizado em 3%, numa sequência da maior desvalorização desde 1994.

Ademais, a desaceleração chinesa tem impacto na queda do preço internacional das commodities, já que a China é o segundo maior importador de bens do mundo, e um dos principais destinos das exportações de países exportadores de insumos primários, como Tailândia, Indonésia, África do Sul, Peru e Brasil.

No caso brasileiro, aliás, a China participa com expressivos 22,6% do total de exportações, sendo que mais de 80% destes são de produtos primários, sobretudo soja e minério de ferro. Com a queda da demanda chinesa por estes produtos, já que a desvalorização do yuan (referência mais usual à unidade de moeda) torna as compras mais caras, a entrada de dólares no Brasil fica limitada, o que deprecia ainda mais o real, prejudicando a recuperação econômica brasileira.

Para o lado das importações, a desvalorização do yuan tornará novamente os produtos chineses competitivos, deslocando parte do comércio não só doméstico, como intrarregional sul-americano. Da perda calculada pelo Instituto Brasileiro de Economia [veja aqui] em 2015 para a participação das exportações brasileiras nos países sul-americanos (22%) no período entre 2002 e 2013, 34% estariam vinculados ao aumento da participação chinesa na região.

Esse deslocamento se torna ainda mais preocupante devido ao fato de que incide especialmente em setores de maior conteúdo tecnológico, o que tende a dificultar cada vez mais a diversificação da pauta exportadora dos países sul-americanos em direção a setores de maior valor agregado.

Em resumo, apesar de a China estar se direcionando para um “novo normal” de crescimento econômico sustentado, como aponta o relatório anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) [veja aqui], através de reformas em seus mercados financeiros e de novos delineamentos político-econômicos, a instabilidade no mercado de ações e a desaceleração econômica como um todo pode ainda trazer efeitos deletérios para a economia mundial, principalmente para países vulneráveis à demanda por commodities, como o Brasil.